Relato de um acontecimento que provocou um aprendizado
Este texto foi feito como parte das avaliações da Disciplina de Leitura e Produção Textual. Consiste no quarto Trabalho de Escrita e Reescrita, primeira fase.
Aquele jogo de malucos...
No ano 2000 muitos acreditavam que o mundo acabaria. Previsões de Nostradamus, referências bíblicas, certa histeria em algumas pessoas. E eu... Bem, eu tava nem aí pra isso. Por que se tinha gente achando que naquele ano se daria o fim do mundo, eu conheci um novo mundo.
Freqüentava bastante a biblioteca do colégio, lugar que as turmas de alunos mais jovens freqüentavam pra brincar de pega-pega ou pra ver quem gritava mais. Não tinha muito que fazer lá, era difícil ler algo longo por causa do barulho da piazada correndo em volta das estantes de livros maltratados. Mas um dia eu vi algo excepcional: três colegas sentados em volta de uma das mesas redondas do lugar, rolando alguns dados. Não pareciam jogar General ou qualquer desses jogos de dados que nunca aprendi a jogar. Tinham alguns papéis, embaixo dos braços cruzados. Eu me aproximei, curioso que sou, e eles – que então não eram exatamente meus amigos, mas conhecidos – me fizeram o convite:
– Quer jogar RPG com a gente?
Eu nem sabia direito o que era esse tal de RPG. Tinha ouvido falar que era um jogo e sabia que a hoje extinta loja Planeta Proibido, no centro de Porto Alegre, vendia alguns desses jogos. Tinha também a memória de ter visto um desses livros numa antiga novela da Rede Globo. Uma atriz, que não lembro quem era, mas que na trama era filha do personagem do Humberto Martins, lia um tal de “Cyberpunk 2020”. Mas parava nisso. Eu tinha escutado – ou imaginava – que era um jogo altamente complexo, que exigia muito daqueles que nele tomavam parte. Eu fiquei com certo medo. Não, não de ser assassinado. Naquela época ainda não se ouvia falar de “rpgistas-assassinos”. Mas os caras insistiram tanto, tanto, dizendo que me ajudariam a compreender o troço, que eu acabei cedendo.
Entrei no jogo e aos poucos iam me explicando como era esse negócio de jogar sem um joystick, teclado, mouse e de ter que imaginar o que acontecia naquele mundo, em lugar de ver com os próprios olhos. Parecia muito estranho no início. Eu, sempre apelando ao “tanto faz” como resposta pras perguntas mais banais (acho que por insegurança) fui aprendendo a fazer escolhas no meio do jogo. Ah, e aqueles papéis eram as descrições dos atributos dos personagens. Quando se cristalizou em mim a noção de que era um jogo com muito mais liberdade que um videogame e que um livro de romance (não se fica preso ao enredo pré-definido. Interpretando um Romeu eu poderia mudar o fim trágico da obra Shakespeare, desde que tivesse idéias para tal) eu vi todo o potencial de um jogo de interpretação e passei a adorar aquilo. Nunca mais gráficos pré-definidos seriam limite pra um movimento, nunca mais ficaria preso somente aos desejos de um autor. Descobri que o RPG tratava-se, enfim, do ato de contar histórias de maneira coletiva e conjunta. Aprendi que não tinha nada de difícil, que é o mesmo que propor uma série de hipóteses interligadas a alguém, que vai responder de acordo com o que é, o que sente, etc. A diferença é que o mundo era de fantasia, e o caráter do personagem, forjado.
E aí, tempos atrás, uns moleques malucos matam alguém lá não-sei-aonde e, por que acharam um livro de RPG no meio da bagunça do quarto de um deles, usaram o jogo como bode expiatório. RPG virou coisa do demônio. Em 1969 o Charles Manson fez duas chacinas, alegando que a canção Helter Skelter, dos Beatles, lhe enviara mensagens subliminares ordenando os atos. Também na época alguém botou a culpa na arte. Cada um vê o seu “fim do mundo” onde quer. Eu o vejo quando se culpa a arte pela bestialidade. Tá aí uma outra lição pra alguém aprender...
Marcadores: Leitura e Produção Textual, UFRGS
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