sábado, 13 de setembro de 2008

Quatro dores

A Cybele O. Alle, que gosta do que escrevo

Agora nada mais faz sentido. Não que seja incompreensível, mas a compreensão em nada ajuda, nada significa. Estava tão focado e subitamente foi como ser jogado para trás, ficando como uma câmera derrubada brutalmente, de costas, que filma o céu enquanto à volta ocorre tanto barulho, tanta confusão indecifrável.

Primeiro, ver o tempo parado. Não saber o que dizer para mudar aquela estagnação, para incentivar em direção à mudança, a um movimento de anti-inércia. Olhar para as paredes, para o jornal, para a janela. Não encontrar senão as mesmas palavras, os mesmos lamentos, os mesmos olhos opacos e a frustração cheia de culpa de não saber lhe dizer como mudar sua vida. Querer tirar das paredes os mesmos recortes velhos, mudar o lugar dos cristais, ou então quebrá-los, perdê-los, como quando em criança. Não querer sentir que esse monólito de vida (anti-cálido, anti-móvel) é o resto da vida que lhe resta, àquele outro, tão admirado, tão patriarca, tão avô.

Depois, ela. Doente, distante, distante: corpo e alma. Uma voz no telefone, e só. Uma ausência, não mais. Um caminho instransponível entre os que fomos e os que somos. O que fomos e o que somos. Pálida, diáfana, irrelevante relação, apagada e destituída de gargalhadas choros gozos. Querer buscá-la não lá, mas dentro de si, dentro de todas as irrelevâncias que a haviam obscurecido e estiolado. Que lhe haviam raptado com o súbito de um coice e deixado somente estupor, desejo, mágoa. Desligar lhe devolve ao mundo, no meio da insensibilidade.

Enfim, um homem tão pobre que lhe pede dinheiro e lhe parece tão infeliz que faria os guardadores de carro se sentirem nababos ou sultões. Dói, dói, o dente dói e está inchado, qualquer um pode ver. Mesmo assim ele mostra, faz questão de mostrar, pois não mostra só o dente malsão, a gengiva inflamada: mostra sua honestidade, mostra sua dor física e moral. Ele quer um Paracetamol. Não um anti-inflamatório, não anti-biótico, só quer que a dor pare. Que custa um e setenta e cinco na farmácia (onde talvez nem o deixem entrar, tão sujo e pobre), mas acha que consegue mais barato, se “chorar” pelo preço. Me pergunto se no que ele disse também há aspas. Ainda chora? Ou o mundo já lhe venceu, e, além de à parte da sociedade está à parte das lágrimas?

Tão sujo, pobre e triste. Como eu.

Assim disse Gustavo @ 4:51 PM   2 comentário(s)

2 Comments:

Em 18 de setembro de 2008 às 09:03, Blogger Dér Gréne comentou:

Passei a noite lendo os seus textos, isso que um amigo me mando o site, sabe, dói profundamente em minha alma algumas frases... Dói, somente dói...

Sorte em sua vida..

beijos

 
Em 30 de outubro de 2008 às 23:11, Blogger Unknown comentou:

Adoro tudo o que tu escreves. Como já te disse... talento não te falta! Ainda penso que a literatura te chama, mais ainda do que a tradução. Tu nascestes para ser autor e não "co-autor" ou melhor, "tradutor" de alguém. Teus textos me remetem a Drummond:"Quando nasci, um anjo torto, desses que vivem na sombra... Vai Gustavo, vai ser o que tu gostas na vida..."

beijos

 

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O Autor

O autor
Nome: Gustavo Ribeiro
Lugar: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Um cara aprendendo com a literatura e as culturas de outros países e do meu. Sempre aprendendo, sempre vivendo como se fosse o último dia.

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