Apresentação pessoal (reescrita)
O texto abaixo foi feito como parte das avaliações da Disciplina de Leitura e Produção Textual, da professora Daniela Favero Netto. Consiste no primeiro Trabalho de Escrita e Reescrita, agora em segunda fase. Podendo escolher entre dois temas, Apresentação pessoal ou Relato de um cotidiano, optei pelo primeiro.
Olá. Eu... Eu não sei bem o que dizer. Falar da gente é sempre tão difícil, ainda mais numa situação como essa. Peço que tenham paciência, é minha primeira reunião ... encontro... sei lá qual é o termo que usam aqui no A.A. Me desculpem, pessoal, eu “tô” nervoso, e falar do vício é sempre complicado, né?
Eu comecei a me envolver com isso quando era guri. O meu pai sempre consumiu muito esse tipo de coisa, era até banal lá em casa. Ele tinha um móvel envidraçado, e de lá ele tirava o que ia consumir. Quando os amigos mais intelectuais dele iam lá, então eles se enfurnavam no escritório, a portas trancadas... O pai levava pra lá os mais caros, os mais raros, os mais saborosos, os mais aromáticos. Depois saiam de lá inebriados, rindo ou batendo-se como o cachorro da vizinha velha do sobrado no fim da rua e o vira-lata com fuça de chiuaua.
Eu falei do móvel, né? Meu pai nunca me deixou botar a mão naqueles troços... Dizia o velho Leonardo – era esse o nome do meu pai – que aquilo era a perdição e o deleite do homem. Sabe que agora eu entendo ele? Eu me perdi, mesmo... mas naquela época eu achava que era tudo asneira... E de vez em quando eu surrupiava a chave que ele escondia embaixo dos papéis dele, na quarta gaveta dum móvel daquele mesmo escritório, e ia lá me esbaldar. Abria com cuidado pra ele não ver que eu tinha mexido e sentia o cheirinho, que adoro até hoje... Daí pra começar a me impregnar com aquele mundaréu foi um passo, né? Logo eu tava ébrio.
Eu consegui disfarçar bem, nem sei como meu pai não notou. A minha mãe também não. Quando esse vício ia começar a afetar meu desempenho na escola (porque eu tava mais interessado nisso que em estudar), eu já tava me formando. Eu achei que tava livre, mas aí é que piorou... Entrei pra Universidade. Sabe como é, era aquela época do Regime Militar, a gente queria mesmo era fazer o que não podia... Foi aí que comecei a me envolver com coisas mais “pesadas”. Era coisa vinda de nem sei onde, de nome esquisito... mas eu consumia mesmo assim. E, claro, o baseadinho era freqüente.
O meu curso desandou, nem preciso dizer. Eu entrei fazendo Letras, acabei na Filosofia, depois de passar até pela Economia. Eu não tava nem aí pras aulas, mesmo... Por isso não tinha nem como me interessar pelo que quer que fosse. Tava mais pras minhas atividades “extracurriculares”. O meu vício era tudo, me enchia com o ânimo e a excitação que as aulas de Lingüística, Estatística ou Pensamento Grego me tiravam. Me entocava no DCE, CEL ou onde quer que eu coubesse e ficava lá, curtindo a ébria sensação... Já tinha um pessoal viciadinho lá, pra dizer o mínimo. Não tardou a nos organizarmos.
A produção inicial foi pequena e de baixa qualidade. Mas ainda assim, os alunos consumiam. Já tava chegando o fim da linha pra mim na faculdade quando estouramos e nosso “comércio” ficou grande. Vendíamos à luz do dia o que produzíamos ao breu da noite, no meio da fumaça da nossa “sede”, que mais parecia o tal do fog londrino... E mais: Até o Reitor deu uma conferida! Eu consegui reingresso e azucrinei mais um tempo lá.
Depois eu trabalhei longe de lá. Me juntei com uns caras bacanas e fazíamos os produtos juntos. Mandávamos pra um intermediário que vendia, porque na verdade a gente não entendia muito da venda, sabe? Fazíamos e consumíamos.
Comecei a ganhar algum dinheiro. O suficiente pra constituir família e dar pra ela um lar decente. Minha mulher tinha até trabalhado comigo na época do campus, mas ela não sabia que eu era tão viciado, assim. Eu confesso que até eu me assusto quando eu penso em que nível chegou a minha obsessão. Eu me trancava num escritório, como o do meu pai (o fruto não cai muito longe da árvore) e lá eu me saciava. E, mesmo não precisando mais dinheiro, produzia também. Mas eu queria silêncio, quietude na casa toda... É que eu não agüentava a hipótese de perder a menor das sensações que aquele “transe podia me dar”.
Dia desses, me encontraram desmaiado no escritório, babando nos papéis de cima da mesa. Aí eu me dei conta que precisava mesmo de tratamento urgente, que essa obsessão pode destruir minha vida se eu não me livrar dela.
Espero que todos aqui me recebam bem, apesar de eu ser estranho, no A.A. – Autores Anônimos.
Marcadores: Leitura e Produção Textual, UFRGS
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