Dissertação – Classificação
A primeira variedade (também chamada subespécie) compreendida entre os críticos de texto refere-se aos extremamente zelosos. Tão zelosos a ponto sequer desempenharem com propriedade a função a que se propõem. Ao lerem um texto e avaliarem-no, por mais que os desagrade, hão de citar apenas os pontos positivos. Caso o texto não os possua, chegarão ao extremo de inventá-los. Tal comportamento peculiar é prejudicial, visto que apenas a compreensão das falhas leva à melhoria das mesmas. São seres singularmente dissimulados, e temem que suas críticas sejam mal interpretadas, causando a frustração do autor.
A segunda variedade é menos numerosa, porém muito mais daninha. Sua daninheza reside justamente em seu modus operandi, contraposto ao da primeira variedade. Ainda que estes indivíduos possam utilizar-se do elogio às qualidades demonstradas pela obra alheia, o fazem apenas como subterfúgio. Tal qual certos predadores envolvem a vítima com sedução (escamas coloridas, canto mavioso, etc.), aos elogios sucede a crítica intolerante. Intentarão aviltar justamente o cerne da obra, seu sentimento mais profundo, seu pilar, seu sustentáculo, com algum veneno injetado em sua veia literária, tal qual “não vi emoção nenhuma aí!” ou algo tão ou mais carente de tino. Essa substância tóxica pode causar o falecimento do eu prosaico e/ou lírico do autor. Não são, em verdade, pertencentes ao mesmo Gênero que as outras divisões, tratam-se de criaturas um tanto híbridas, anômalas. Encaixam-se melhor no Gênero Idiotae, que merece uma biblioteca para si e, por conseguinte, mereceriam estes uma enciclopédia própria. Encontram-se aqui por questões de hábitos semelhantes.
A terceira e última subespécie, quase tão extinta quanto a Rã-pintada-da-palestina e muito mais ameaçada de extinção que o Panda-gigante, compreende os críticos ponderados porém sinceros. Cada vez mais raros, esses exemplares alcançaram o equilíbrio entre zelo e crítica objetiva. Contribuem imensamente para a evolução textual, mas são presa fácil dos venenosos da espécie, tão cáusticos a ponto de ferir (até mesmo mortalmente) inclusive os próprios “irmãos”. Não fosse a presença corrosiva dos daninhos que os intoxica e a apatia mascarada como simpática dos zelosos que nada faz, existiriam mais deles, a pular de árvore em árvore literária, colhendo os frutos da boa escrita e do diálogo que visa a melhoria.
Outras variedades existem. E, com sorte, hão de pronunciar-se agora sobre este modesto tratado descritivo.
Marcadores: Leitura e Produção Textual, UFRGS
1 Comments:
Passei casualmente neste blog e gostei. Parabéns
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