Inexpressão
Para mim é cada vez mais difícil começar um texto, começar a contar o que quero contar, e agora é ainda pior, porque como é que se conta que já não se consegue contar, que é cada vez mais difícil erigir entre mim e os outros uma ponte de texto que comunique o que sinto?
Porque quando começo a construir a ponte parece que está ali toda a solidez do cimento, mas depois começo a perceber algo estranho e aí vejo: do cimento só tem a areia. E aí a ponte cai, e é preciso apagar tudo e começar do início, do primeiro pilar. Ou, pior, quando concluo a ponte e aí eu olho e ela é torta, e não leva aonde queria que levasse aqueles que se dispõem a cruzá-la.
(“So far, so good”, como dizia uma ex-professora de Inglês, mas sinto que logo vou começar a analisar nivelamento da ponte, e vou ter que destruir e reconstruir algum trecho.)
Claro que qualquer um fica frustrado se não consegue se comunicar, isso é próprio do ser humano. Mas comigo é pior, porque sou um homem das Letras, o meu ofício é ajudar os outros a serem entendidos. Mas como posso conseguir isso para eles se para mim essa habilidade me tem faltado?
Não bastasse isso, eu tenho um medo atroz da incomunicabilidade, da incapacidade de ser compreendido. Nelson Rodrigues disse à esposa que meteria uma bala na cabeça se ficasse cego. E eu acho que faria isso caso ficasse incomunicável, incompreensível, incapaz de dizer que prefiro um travesseiro mais alto ou tenho sede, me comunicando apenas por piscares de olhos. Claro que numa situação assim eu não teria meios para meter a tal bala na cabeça, mas seria minha maior vontade, acredito.
E o poético e o sentimental que quero transmitir ficam no meio do caminho, me frustrando, sempre me parecendo infiéis àquilo que quero expressar, ao que quero externar. Sempre me parecem menos do que podiam ser, prematuros natimortos de uma complicada gestação intelectual.
Como agora, neste malogrado fim de texto, neste repetitivo desmoronamento de ponte comunicante, neste novo aborto de mensagem.
2 Comments:
Você é uma das pessoas que conheço que melhor se expressa... e digo isso pela linguagem escrita, que é, afinal, nosso meio de comunicação e convívio (nosso = meu e seu). Sua escrita é bonita, aconchegante. Mas, se serve de consolo (vc é anti-consolo, já sei...rs), talvez ou bem provavelmente, Fernando Pessoa, Camilo Castelo Branco, Machado de Assis, e o nosso citado e querido Nelson Rodrigues, já tenham sido pouco compreendidos ou mal compreendidos. Mas amados :-)
Também me sinto assim sempre, na verdade. Talvez até mais, ultimamente... Mas me vale o consolo de que isso já aconteceu com meu amado Chico Buarque.
Beijos,
Gabizinha.
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