A Saga de um sagaz (saga)
Nasci em uma pequena aldeia próxima à capital do Reino e minha mais remota lembrança é o desejo de melhorar de vida, de subir de camada social, de me tornar alguém. Esse foi o fio condutor de todos os meus anos.
Assim como meus doze irmãos (mais da metade falecidos antes de chegar á primeira década de vida) tive pouca educação formal, mas nada existe que um homem não possa aprender por si próprio depois de ter recebido o conhecimento da leitura e de escrita.
Meu primeiro modus vivendi foi ser sacristão da igreja de minha aldeia. Foi lá que tive acesso a grandes tesouros do conhecimento e pude aprender Latim com o padre, além de provar o vinho (futura grande paixão minha) pela primeira vez. Gostava dos livros do Novo Testamento por conta da imagem de Cristo, que ajudava aos homens, mas que, na verdade, era muito superior a todos; mas gostava mais ainda do Antigo Testamento, pelas mostras esmagadoras do poder divino. O poder sempre foi minha tentação.
Em minha busca por ascensão, jamais tive problemas com a contradição. Um verdadeiro ambicioso (pouco me importava ser chamado de arrivista ou coisas menos elogiosas) sabe que tem de passar por cima de tudo e de todos para conseguir o que deseja, se assim for necessário. Por isso, quando antevi a possibilidade de seduzir a marquesa (mulher tão rica quanto vazia de atrativos) e, com isso, manipular a ela e, por extensão, ao marido (um fraco de espírito), não titubeei.
Quase os levei à falência mais de uma vez, por meus gastos excêntricos com bebidas, luxos desnecessários e prostitutas. Por sorte, logo aprendi a administrar melhor os negócios e também os meus ímpetos, o que só veio a provar minha teoria acerca da superioridade de certos homens.
Contudo, eu nunca perdera totalmente certa bondade em meu coração e, por isso, me acreditava a salvo de desgraças; pelos pequenos atos de generosidade, eu me considerava um pouco como aquele rapaz de certo romance balzaquiano, o estudante Rastignac – sendo que eu mesmo era meu Vautrin.
Infelizmente, e parece que negando minha bondade, os excessos de todos esses anos, aliados a uma súbita e obscura doença degenerativa que avança rapidamente, me puseram agora em um estado lamentável, que em breve agravar-se-á, me deixando sem condições sequer de escrever minha história.
Vivi como Rastignac, rico e rodeado de todos; morro como Goriot, miserável e só.
Então, em minha derradeira hora, volto minha atenção para aqueles primeiros prazeres: a escrita e a fé.
Marcadores: Produção Textual I, UFRGS
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