Em resposta a críticas recentes, ou o que o Frankenstein de Mel Brooks tem a nos ensinar (crônica sobre livro ou filme)
“Puttin’ on the Ritz” é uma música bem antiga. Fred Astaire dançou-a em “Blue Skies”, filme de 1946, mas ela foi escrita ainda em 1929, por Irving Berlin. Mesmo assim, “Puttin’ on the Ritz” dista quase duzentos anos do “Frankenstein” de Mary Shelley. Agora, o que uma coisa tem a ver com a outra?
As duas obras se conectam por meio da inteligência do diretor Mel Brooks. Inteligência e coragem, melhor dizendo. Porque Mel aceitou um desafio considerável: fazer um filme sobre uma das obras mais clássicas e mais conhecidas da língua inglesa. Ele tinha duas opções: nortear-se pelas versões anteriores (para citar só uma, a de Boris Karloff) ou fazer algo com seu estilo.
Brooks escolheu a segunda. E não fez um filme qualquer, fez uma comédia. E também não fez uma comédia qualquer, fez uma comédia típica de seu estilo pessoal. Fez um filme com sua cara, do roteiro ao elenco; do início ao fim, “Jovem Frankenstein” é a cara de Mel Brooks.
Dá para imaginar a reação dos críticos e daqueles que sempre vêem defeitos no que os outros fazem sem olhar pros seus próprios narizes. Quase dá para ouvi-los, lá no ano de 1974, logo depois do lançamento do filme:
- “Que absurdo! Um clássico ser deturpado assim!”
-“E a cena da dança, então! Uma ofensa à tragicidade da criatura!
-“O que não admito é o rebaixamento da linguagem! Fazer trocadilhos, ora essa! Aquele do feno...”
Convenhamos, é bem plausível imaginar esses comentários se lembrarmos que, em 1968, Mel dirigiu “Primavera para Hitler”, um filme que não tem nada de nazista a não ser um deboche ao nazismo. Mas vai dizer isso para esse tipo de crítico, que não precisa assistir para julgar...
De qualquer forma, Mel fez o seu filme. Resultado, indicações ao Oscar e ao Globo de ouro, além de significativos prêmios de agremiações de escritores e de admiradores de literatura de horror.
A história de Mel Brooks prova, então, que fazer o que os outros esperam que você faça nem sempre é a melhor idéia. Um bom filme de comédia pode ser também uma obra densa, cercada de certa tensão. Da mesma forma, bom texto narrativo não precisa repetir as fórmulas anteriores, cristalizadas e, por vezes, caquéticas. Afinal, se olharmos só para o passado, não veremos o futuro, produzindo assim filmes e textos que são verdadeiros Frankensteins: grotescos retalhos do que já foi feito antes.
Marcadores: Produção Textual I, UFRGS
0 Comments:
Postar um comentário
<< Página Inicial