Eu sou um ornitorrinco
Título inspirado por: livro de Natsume Sōseki (“Eu sou um gato”)
Ilustração inspirada por: livro de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (“O leopardo”)
Texto inspirado por: Espera de encomenda de uma pelúcia de ornitorrinco (Perry, o ornitorrinco), texto sobre estar dividido entre dois polos e sobre a descrença naqueles que não se contradizem.
(A introdução original ficou muito grande, mas coloco ela ao final do texto, onde talvez possa ser menos maçante.)
Eu sou um ornitorrinco.
Não um ornitorrinco de fato, mas em espírito.
Descobri isso enquanto esperava uma encomenda vinda do exterior: um bicho de pelúcia do Perry, o ornitorrinco, personagem que mais me cativa no desenho “Phineas e Ferb”. Ele estava demorando muito mais para chegar do que o prazo dado pela vendedora. Já o dava como perdido no sistema postal e estava meio triste por isso. Dessa e de outras melancolias veio a conclusão de que eu sou um ornitorrinco.
Um ornitorrinco porque (eis as outras melancolias) não me encaixo, porque me pedem sempre algo que não posso ser, uma criatura bem acomodada em categorias estanques. Um ornitorrinco é ovíparo mas também mamífero: está, à sua própria maneira, “à cavalo sobre duas águas de um telhado”. Isso me desperta grande simpatia por eles, porque, como diz outro texto de não lembro quem, “desconfio de quem não se contradiz” (ou algo assim).
Este próprio texto prova isso. As referências que cito são da literatura e de desenhos animados. Não que sejam coisas opostas, mas são geralmente vistas como incongruentes, como pertencentes uma ao mundo dos adultos, outra ao mundo das crianças. Bobagem pré-fabricada e engolida a colheradas pelos que estão sempre seguros de si, os que não se contradizem.
Leio as teorias sociológicas de Bauman, grandes obras do cânone ocidental (Shakespeare, Eça de Queiros, F. Scott Fitzgerald, só para citar os últimos) e aquelas do oriental em que consigo pôr minhas mãos; mas isso não me faz “maduro demais” para esperar ansioso o horário em que a TV reprisa Chaves ou os tokusatsus da minha infância (CyberCop, Jirayia, Jiban...); ouço Jazz (menos do que eu queria, é verdade) mas não deixo de baixar o último single dos artistas que me chamam a atenção (Lady Gaga leva aos limites sua capacidade de chocar o público som seu novo-surrealismo-pop); sou carinhoso com as namoradas (estenda-se o sentido a todos os “afins” de namorada), mandando bilhetinhos, comprando presentinhos... mas muitas delas tiveram dificuldade em entender que amor e sexo podem andar juntos, cada um com suas características próprias (por incrível que pareça, já passei pelas duas situações: umas não sabiam amar, outras não sabiam fazer o amor). A pureza do amor pede a sordidez do sexo, e vice-versa.
E até com a linguagem sou assim. Gosto de escrever bem, acho que às vezes o texto precisa vestir uma roupa mais elegante (palavras mais refinadas, se é que se pode chamá-las assim...), mas sou contra o academicismo e o pedantismo: aquele “coloco ela”, lá em cima, foi intencional. É muito mais natural, muito mais entranhável.
E, enfim, como diria o Perry:
-Hrrrrrrrrrrr!
Background:
Este texto está cheio de influências. Por isso, talvez não soe tão original quanto eu queria quando eu disser, a sério, que eu sou um ornitorrinco. Essa ideia, a tomei emprestada do escritor japonês Natsume Sōseki – e a modifiquei um pouco, para se adequar mais. Sōseki escreveu “Eu sou um gato”, livro em que o protagonista e narrador é... um gato. Se perco em originalidade por usar uma ideia que deve sua origem a um grande escritor e se perco também em capacidade de expressão na frase (o título original do romance, em japonês, usa uma forma hierarquia geralmente reservada apenas a autoridades como o Imperador, difícil de traduzir tão sinteticamente), enfim, se perco em tudo isso, ganho em ineditismo, porque, injustamente, ornitorrincos não são populares; quase nunca são citados, a não ser como sinônimo algo estranho.
Outra influência é o brasão que encima este texto. A ideia me veio depois de ler “O leopardo” (atualmente com uma tradução brasileira chamada “O gattopardo”), de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, romance que conta as transformações na sociedade italiana à época do Risorgimento (a unificação dos estados da península italiana), acompanhando o declínio da família de Dom Fabrizio Corbera (o enredo é inspirado na história da família do próprio Tomasi di Lampedusa). No livro, a linhagem de Dom Fabrizio tem como símbolo heráldico um gattopardo (outro problema de tradução aqui: esse felino nem é o leopardo, e nem é chamado de gattopardo em português; o nome em português seria serval – ou uma subespécie – mas vá convencer as editoras a mudar o título...). Esse símbolo aparece nas propriedades da linhagem, e há forte identificação dele com o protagonista.
Uma terceira influência (espero que isso não esteja ficando entediante...), a “central”, por assim dizer, aquela que me deu o “estalo” inicial de escrever este texto foi a longa espera para receber uma encomenda vinda dos Estados Unidos: um ornitorrinco de pelúcia; mais especificamente, uma pelúcia do Perry, o ornitorrinco, personagem do desenho Phineas e Ferb.
A quarta e a quinta influências são dois textos que, como com frequência acontece comigo, não lembro de quem são, mas desconfio que sejam do Cortázar. O primeiro texto usava, acho que para se referir ao escritor, a imagem de alguém a cavalo sobre as duas águas de um telhado – ou seja, bastante dividido. O segundo, dizia algo como “desconfio de quem não se contradiz” e frisava que tinha de ser contradições sérias, não qualquer bobagenzinha.
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