Mitologia
Érato, a Amável, uma das nove Musas gregas, caminhava com olhar fixo no horizonte e pensamento muito mais distante,em meio a um campo florido. Perdia-se em reflexões, considerações, desejos. Imaginava por que não poderia ela mesma criar obras de beleza, por que razão haveria de sempre proporcionar tal prazer apenas aos mortais.
Sentando-se à sombra de uma frondosa árvore, decidiu-se por ousar, e principiou a expressar através de si mesma toda a inspiração que guardava. Escreveu sobre olhos amendoados e dotados do brilho que nem mesmo no carro de Apolo luzia semelhante; discorreu sobre curvas e apêndices, seios e ventre, mãos e pés. Dedicou especial atenção e zelo aos lábios e ao sorriso por ele emoldurado. Tudo em verso, como era natural daquele ser.
Finda sua obra, sentia-se maravilhada e satisfeita. Temendo, porém, ser alvo da inveja ou da repreensão das outras Musas, decidiu levar sua criação àquela que jamais seria admoestada se a tivesse gerado: Afrodite.
Dirigiu-se ao mar e, com um canto mavioso, clamou pela deusa. Esta surgiu de dentro das turbulentas águas do oceano, que se fizeram plácidas tão logo ela emergiu. Assim que Érato explicou o que a havia levado até ali, a deus da fertilidade, amor e erotismo a tranqüilizou, e declarou que guardaria a obra com muito zelo.
Ocorre que Afrodite achou que mal nenhum faria ler o conteúdo da obra. Leu. E apaixonou-se pelas palavras. Tão belas eram, que a fizeram derramar lágrimas. Copiosas lágrimas de real e pungente emoção. Várias destas lágrimas (repletas da essência da própria Vida) acabaram por cair sobre as palavras e, enquanto a filha de Urano descansava seu corpo divino da emoção, das páginas da obra banhada pela comoção, originou-se criatura formosa, bela a ponto de a própria Afrodite surpreender-se.
Percebendo a perfeição da obra que trouxera à vida, Kypris decide levar a bela obra, agora em forma de dama, à presença do grande Apolo, para que lhe desse o calor da vida.
Apolo cedeu-lhe uma ínfima parte do próprio Carro Solar. Ainda que quase insignificante, a parte concedida à mulher pelo condutor do Carro, foi mais do que o necessário. A alma agora dela continha calor demais, era preciso direcioná-la para algum ato que proporcionasse bom uso a todo este calor.
Decidiu-se então, que ela seria a amada de um jovem rapaz, carente de carícias, afagos e de uma boa alma que lhe compreendesse o espírito confuso e inquieto. E, embora ela ria e desconverse quando ele a chama de “fada” ou “anjo”, ele bem sabe que sua essência é divina.
3 Comments:
Clap!, clap!, clap! Lindo! É interessante observar que apenas aquele que tiver um certo conhecimento de mitologia irá compreender o conto, mas isso não compromete o mesmo. Que bela história! Bendito seja o dia em que assisti “Hércules” – que, seguindo a tradição grega, deveria ser “Herácles” – e me interessei pela melhor – pois não deve haver melhor no mundo – mitologia de todas.
Outro tema a constatar é que, quando estamos amando imensamente, nossas obras saem tolas e infantis (lembra quando eu me amarrei nos laços de uma garota? Tomara que não). Contigo isso não aconteceu, pelo contrário: resolveu usar a paixão de forma a criar ao mesmo tempo um texto de qualidade e uma declaração de amor. Como disse antes, lindo. Estou agora como Afrodite; só não choro porque se o fizesse estragaria meu teclado. Meus mais sinceros parabéns por aquele que provavelmente é seu melhor conto.
Aquele abraço,
Gabo.
Faz tempo não leio nada sobre mitologia ( exatos 3 anos). Tive a sorte de encontrar esse texto lindo.
vcs realmente viram criaturas adoráveis quando tocados pela maluquice do amor.
Beijos
Dizer quão belo é o texto seria, no mínimo, bobo.
Por acaso você tem algum parente distante no mediterrâneo, chamado Homero?!
Parabéns, cara!
PS.: Vim aqui por recpmendação do Gabo. Agora não preciso mais. Já aprendi o caminho.
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