SNR
Sempre me senti interessado, atraído, pelas obras de Nelson Rodrigues. Recordo-me de quando o Fantástico exibia encenações das produções dele no quadro “A Vida Como Ela É”. Aquela musiquinha eriçava-me, e eu aguardava que aparecesse o José Willker, com aquele ar grave, anunciando outra história daquelas, de adultérios, assassinatos, obsessões, incestos... Eu era o único que gostava desse quadro em minha casa. Meus familiares achavam... exagerado demais, talvez. Acho até que, se meu pai ainda morasse conosco naquele tempo, não me deixaria ver tal coisa.
Por um tempo, a imagem de Rodrigues ficou apagada em minha mente. Ou, por outra, escondida. Escondida até que eu conhecesse uma frase dele, uma que caiu como luva à minha decepção amorosa naquele momento. Tive convicção dela, fundando inclusive, um grupo informal, para admiradores dele, chamado SNR. Mas até aí, eu não conhecia a real essência de Nelson. Dele sabia de cor apenas uma frase que eu tomara como verdade absoluta, sem inseri-la em seu contexto. Em verdade, sequer sabia o contexto original dela.
Um livro, me presenteado pela pessoa que mudou não só minha opinião sobre Nelson como minha vida, uma coletânea de vários textos seus, um livro promocional da Folha de São Paulo, com todo o élan de nostalgia que uma obra dessas pode ter, me proporcionou uma visão mais profunda do autor. Espantei-me com alguns textos curtos, e me surpreendi com a doçura um pouco fria, contida nos capítulos extraídos da obra “A Menina Sem Estrela”, que revelaram um Nelson que eu ainda não conhecia... Menos polêmico, mas não menos impactante. Depois de ler a coletânea, já gostava e compreendia-o melhor.
Contudo, a capacidade de avaliá-lo, ainda me faltava... Não me sentia capaz de discorrer sobre Nelson e muito menos publicar algo sobre ele (confesso que estou achando este texto uma porcaria... risos), mas então a Gabi me deu um outro livro. Sim, ela me dera o primeiro, e deu-me outro, também com aquele gostoso sentimento de nostalgia de um passado que eu mesmo não vivi... O livro: “O Casamento”. Aquele mesmo que na coletânea me surpreendeu com a cena de Zé Honório forçando o pai a ver algo inadmissível para ele e com (já em outro capítulo) a cena de Antônio Carlos (“tinha cheiro de mar”) carregando Glorinha a outro quarto, onde Maria Inês também participa de algo que, mesmo que conseguisse descrever não o faria.... é preciso ler (depois de ler mais de duzentas página de Rodrigues, estou achando este texto cada vez mais pobre), não só par entender, mas sentir.
Único romance escrito por Nelson para ser publicado diretamente em livro (e não em fragmentos, nos jornais), foi censurado pela ditadura, mas liberado para a venda 6 meses depois. O romance parece uma coletânea de todas as imoralidades retratadas pelo autor em outras obras: pederastia, estupro, incesto, adultério, assassinatos, safismo...
A impressão que me ficou (quero acabar logo com esse texto odioso) é que Nelson Rodrigues (que agora me parece o que se poderia chamar de “um poeta maldito”, caso não escrevesse ele em prosa) faz durante cada página o que Machado de Assis faz apenas na última de seu conto “A Cartomante”: dá um soco literário no estômago do leitor, mudando por completo o que se acabou de ler. Não faz isso só através de grandes eventos mas (e é aí que está seu mérito), também, em cada pensamento dos personagens, colocados sem diferenciação entre textos descritivos da cena.
Não os conto mais sobre o livro para que não estrague a leitura de vocês e, claro, por este texto tratar-se mais da figura que foi Nelson Rodrigues (ou, por outra, quais as impressões que dele tenho) e menos de “O Casamento”. Leiam-na, e impressionem-se com a capacidade de Rodrigues em fazer de cada página, e não só do livro como um todo, numa “obra-prima profana e imoral”.