Relato de uma emoção forte
Mais um daqueles textos para a cadeira da faculdade. Propostas de escritas ambíguas (como os textos não podem ser, lembra-nos a própria professora), repetitivas de certo modo... Bom, vejam o que acham. O comentário sobre esta produção, que destruiu todo o encanto que eu sentia por ela, foi, da parte da professora: "Não senti emoção nenhuma aí!". Vamos ver se encontro alguém com mais tato a ler isto. (Nota: Texto baseado no universo de Changeling: O Sonhar)
Quando acordei, com o corpo transpassado por dor, achei que bebera demais na noite anterior. Aí lembrei que não bebo, não fumo... Eu até ingiro cafeína, mas só na Coca-Cola. Meu álcool e meu ópio são os livros. Então, não, aquilo não podia ser real! Olhei-me no espelho, ainda desnudo e com o rosto marcado pelos vincos do lençol retorcido, como se eu houvesse me debatido em algo como um pesadelo e vi algo singular: como se, sobre o desenho da realidade, houvesse outro, baseado no mesmo, mas imensamente diverso – feito uma cópia em papel-vegetal, mas com livre-arbítrio dos mais desvairados sonhos de uma criança a o enfeitar.
Fechei os olhos e fui até o espelho vertical no cômodo, em nada tropeçando, acostumado que sou com a disposição dos objetos em minha particular bagunça. Abri os olhos, cobarde, não querendo ver. Mas via. Eu era agora um gigantesco homem. Um gigantesco homem azul! Um gigantesco homem azul com chifres não muito curtos, pálidos, como ossos! A pele de meu corpo era tão azul que podia dizer-se negra sobre certas iluminações. Mas, como eu disse, não se apoderou dos meus sentidos essa criatura. Eu era ela e, ao mesmo tempo, ainda era eu... Como se contrariasse uma das leis da Física, existíamos a um só tempo no mesmo espaço.
Tombei. Minhas pernas fraquejando, arrepios a percorrerem desde a parte anterior de minhas orelhas até o fim da região lombar, como mananciais de horripilação. Tremia como alguém condenado à morte. E pensei que realmente estivesse. Calafrios hediondos eram transmitidos mais rápido que impulsos nervosos através de meu agora prostrado corpo.
Feito em migalhas de dignidade e força, preparei-me para agir como um moribundo, como parecia ser meu Destino. Olhei ao redor, para despedir-me de meus bens e minha amada, que repousava em meu leito. (Ah, tão pura Cândida que a pureza traz até no nome.) Mas agora tudo era diferente. E melhor.
Meu livro companheiro não era mais um alfarrábio sebento: era ricamente encadernado, com detalhes em ouro. Minha dama não era tão bela como antes: era mais. Dir-se-ia ser um anjo que faria a Beatriz de Dante perder seu lugar logo abaixo de Nossa Senhora. Tudo isto sobreposto, enlouquecedor. Lancinantemente belo. Cessou o mal-estar.
Ergui-me, ainda não de todo recomposto. Da janela, observei o mundo além de minha morada. Mais escuro, mais lúgubre, mais inóspito. Eu agora via as hipocrisias sobrepostas às caras sorridentes, o logro justaposto às boas intenções. Mas também via o colorido que há através da criança pálida e desnutrida, a brincar com o que quer que pessoas impessoais lhe dêem depois de estragar.
Minha bênção e minha praga. Passei a ver e viver entre dois mundos. E jamais olvidarei as marcas daquele dia de dor e maravilha.
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