Quatro dores
A Cybele O. Alle, que gosta do que escrevo
Agora nada mais faz sentido. Não que seja incompreensível, mas a compreensão em nada ajuda, nada significa. Estava tão focado e subitamente foi como ser jogado para trás, ficando como uma câmera derrubada brutalmente, de costas, que filma o céu enquanto à volta ocorre tanto barulho, tanta confusão indecifrável.
Primeiro, ver o tempo parado. Não saber o que dizer para mudar aquela estagnação, para incentivar em direção à mudança, a um movimento de anti-inércia. Olhar para as paredes, para o jornal, para a janela. Não encontrar senão as mesmas palavras, os mesmos lamentos, os mesmos olhos opacos e a frustração cheia de culpa de não saber lhe dizer como mudar sua vida. Querer tirar das paredes os mesmos recortes velhos, mudar o lugar dos cristais, ou então quebrá-los, perdê-los, como quando em criança. Não querer sentir que esse monólito de vida (anti-cálido, anti-móvel) é o resto da vida que lhe resta, àquele outro, tão admirado, tão patriarca, tão avô.
Depois, ela. Doente, distante, distante: corpo e alma. Uma voz no telefone, e só. Uma ausência, não mais. Um caminho instransponível entre os que fomos e os que somos. O que fomos e o que somos. Pálida, diáfana, irrelevante relação, apagada e destituída de gargalhadas choros gozos. Querer buscá-la não lá, mas dentro de si, dentro de todas as irrelevâncias que a haviam obscurecido e estiolado. Que lhe haviam raptado com o súbito de um coice e deixado somente estupor, desejo, mágoa. Desligar lhe devolve ao mundo, no meio da insensibilidade.
Enfim, um homem tão pobre que lhe pede dinheiro e lhe parece tão infeliz que faria os guardadores de carro se sentirem nababos ou sultões. Dói, dói, o dente dói e está inchado, qualquer um pode ver. Mesmo assim ele mostra, faz questão de mostrar, pois não mostra só o dente malsão, a gengiva inflamada: mostra sua honestidade, mostra sua dor física e moral. Ele quer um Paracetamol. Não um anti-inflamatório, não anti-biótico, só quer que a dor pare. Que custa um e setenta e cinco na farmácia (onde talvez nem o deixem entrar, tão sujo e pobre), mas acha que consegue mais barato, se “chorar” pelo preço. Me pergunto se no que ele disse também há aspas. Ainda chora? Ou o mundo já lhe venceu, e, além de à parte da sociedade está à parte das lágrimas?
Tão sujo, pobre e triste. Como eu.