Ana Miranda E Seus Homens
Quando estava no primeiro ano do ensino médio o melhor professor que já tive apresentou-me a obra de Ana Miranda. Sendo o colégio em que eu estudava um colégio mantido por uma comunidade luterana, o teor de “Boca do Inferno” (um título que me causara certa estranheza) causou um certo desconforto em certas pessoas. Uma colega (a mais aplicada) achou o livro horrível, inclusive. Mas só por ser um livro bastante cru em algumas de suas passagens, como certamente foi a vida de Gregório de Matos e Guerra, o homem da alcunha que dá título à obra. O livro inclui passagens muito sensuais e sexuais e outras de uma brutalidade surpreendente (como a que jamais hei de esquecer, quando decepam a mão de um dos personagens), mas isso só torna “Boca do Inferno” um livro excepcional, por ser tão franco. Outro ponto alto do livro é o caráter irreverente, o escárnio presente em muitos textos de Gregório de Matos. Foi por esta obra que me interessei por Matos e Guerra e o tenho como um grande escritor, um de meus favoritos.
Pois acabo de ler (acabo mesmo, não faz nem meia hora que o fiz) mais um livro desta mesma autora. E trata-se de uma obra tão maravilhosa que creio merecer ela, a escritora, uma menção especial antes que eu prossiga a linha de meu texto. Ana Miranda surpreendeu-me, pois eu esperava algo que, se não fosse tão cáustico como o primeiro livro dela que eu lera, ao menos fosse bastante forte.
Pois foi uma maravilhosa surpresa ler “Dias & Dias” e saber que Miranda transita entre histórias rudes, feito um bofetão na face, e histórias lindas (ainda que um pouco amargas), que seriam como o carinho nessa mesma face.
Dias & Dias não tem Gregório de Matos, mas tem Gonçalves Dias, tantas vezes chamado de Antônio por Feliciana que se esvai muito da distância entre o leitor contemporâneo e este escritor. Feliciana é apaixonada por Antônio desde que lera em um papel uma poesia dele e leva toda sua vida apaixonada por ele, enlevada em pensamentos de amor pelo homem ao qual nunca tivera coragem de se declarar.
Identifiquei-me muito com o livro, era quase como se tivesse partes da minha vida descritas ali, cada uma através de um personagem. O sempre modesto Antônio talvez represente meu lado poético e por sua baixa auto-estima (ah, como me identifiquei ao ler, grifadas, as palavras “Careço de vontade para não desanimar”!); por Adelino tive uma forte identificação, pelo tempo em que amei Bárbara e por ela tudo fazia e nada recebia; Feliciana tanto me deu a oportunidade de imaginar o que Bárbara sentia (será que era a mesma sensação de fastio, mas também de posse?) como a vejo em mim na questão do amor à distância e no acreditar que bastasse o amor de um para o outro contagiar-se desse amor...
Ademais, as situações são lindamente descritas por Ana Miranda, que por muitas vezes me fez sentir como se eu estivesse inserido na história, quase a sentir as coisas, principalmente os devaneios de Feliciana. Ou, ainda que não fosse isso, os personagens são muito marcantes e fiquei com o gosto deles em minha memória, e com sentimentos por eles... A dor de Feliciana, a dor da incerteza, me dói ainda agora... E a poesia de Gonçalves Dias, esta me encantou. Não é improvável que ele entre pra minha lista de autores favoritos, como aconteceu com Gregório de Matos... e Ana Miranda.
Nota: Após a conclusão do texto, descobri que Guerra é o patrono da cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras e Gonçalves Dias da 15. Engraçado estarem um na sucessão do outro e serem apreciados por mim, destacando-se entre os 40 patronos.Mais sobre o livro: http://www.anamirandaliteratura.hpgvip.ig.com.br/dias&dias.htm