Pensamento literário noturno
O sentido anda aposentado
E as palavras mal empregadas
Chega de rinhas!
Chega de poluição!
Chega de violência!
Chega de impunidade!
Chega de tanto imposto!
Eu digo não ao nazismo!
Eu digo não à Lei Seca!
Eu digo não ao racismo!
Eu digo não ao preconceito!
Eu digo não à desigualdade!
São frases como essas, impetuosas e imperativas, que vejo com freqüência em adesivos, buttons, camisetas, apliques em mochilas e muitas outras mídias. As frases são claras, curtas, diretas, e parecem bradar as mensagens que carregam, geralmente ilustradas com desenhos coloridos e simbólicos: é quase um movimento cara-pintada moderno.
Nada de errado há em demonstrar seu descontentamento, seu inconformismo com as situações sociopolíticas da nossa contemporaneidade: é direito, é justo, é até louvável que movimentos assim surjam e deixem claro que não estamos todos contentes com tudo. Demonstrar e divulgar esse descontentamento é importante para fazer cientes os menos inteirados das questões que influem e modificam nosso sistema social, mesmo que nem todos concordem com nosso ponto de vista.
O que me parece incongruente, contudo, é que sentimentos aparentemente tão pertinazes traduzam-se somente em divulgação, em alarde até. Ora, se a questão é de fundamental inquietação para o indivíduo a ponto de que leve sempre consigo a expressão desse sentimento, deve ser algo realmente comovente! E tudo que comove: move, ou seja, impele a agir.
Agir. Eis aqui o que me surpreende. Vejo os adesivos, os buttons, as camisetas... Só não vejo ação. É claro que eu não pretendo generalizar, seria injusto e insensível se o fizesse: existem pessoas sob alguns destes slogans que de fato vão além de aderir à causa e que despendem força e energia por ela. Mas muitos são aqueles que se dizem revoltados com estado das coisas, mas o fazem como se tomados por uma inexplicável e insensível automatização, que desaparece tempos depois. Colam os adesivos, prendem os buttons, vestem as camisetas, mas é só.
Acredito que qualquer descontentamento deva ser direcionado a ações, ações que tenham como meta a mudança. Mais do que divulgar certa causa é preciso agir para que o movimento ganhe credibilidade e confiança do resto da sociedade. Há de se promover o esclarecimento da questão e tomar atitudes para que vejam: este grupo trabalha. “Se eles se doam de tal forma a uma causa deve haver algo realmente pungente nela”, é isso que deve pensar quem ver o grupo
E não é preciso começar com muito: pequenas ações são um princípio honesto e justo. Não é preciso grandes protestos, gastos com publicidade. A princípio, creio eu, o que é necessário é deixar claro seu descontentamento e divulgá-lo aos outros, que podem então revelar concordar consigo.
Não precisa ser nada grande. Pode até ser um texto num pequeno blog que diga: Eu digo não ao chega!
Dumas Filho, Balzac, Cortázar. As últimas leituras que fiz vieram das obras desses três distintos escritores. Distinguem-se os outros e diferem, também, entre si. E ao final da leitura de uma obra de cada, sobreveio-me a impressão de que essas diferenças combinam e colaboram para uma experiência literária rica.
Tive uma idéia no princípio, e cheguei até aqui com ela, mas agora salto dela como se saltasse de uma diligência para outra, como num daqueles filmes antigos de ação em movimento: não farei mais uma crítica literária bem pensada e refletida nas palavras. Falarei das minhas impressões de maneira mais pessoal, como falasse a um amigo. Uma crítica sem valor científico, parcial, e meramente embasada numa leitura não muito dedicada às três obras.
Eu não lera “A Dama das Camélias” para a aula que deveria. Sabe como é, aquela velha certeza de que livros bons são aqueles que lemos, e que a maioria do cânone literário é de uma “qualidade” tão estranha que só agrada os eruditos mais arrogantes e pedantes. Mas assisti à aula de Leituras Orientadas II em que se discutiu a obra e fiquei impressionado de maneira positiva pelo enredo, pelos recursos de narração, pelo sentimento geral, o élan do texto. Aí veio o feriado e tive tempo de ler a obra (convenhamos, não há como fazer uma leitura honrada de uma obra em 5 dias... É negar ao texto a atenção que ele merece receber). Li-o com a mesma velocidade que li meus livros favoritos: três dias (e nisso pode haver contradição com o que disse eu nos parêntesis anteriores? Não, não... nem todo livro há de ser nosso favorito! Mas esses também merecem atenção, o que requer de nós mais tempo, não é?). É uma obra dramática e humana, nos sentidos mais próprios dessas palavras. Um desses dramas universais e verdadeiros, honestos. Além da habilidade fantástica de Alexandre Dumas Filho em expressar a história, há mais por trás desse tocante romance: é, em parte, autobiográfico. Tornou-se um de meus livros favoritos pela profundidade com que deixa marcas de sua história na memória afetiva do leitor. Pelo menos para mim será difícil sem ver um exemplar de Manon Lescaut sem me emocionar um pouco daqui em diante.
Tendo lido o livro anterior com avidez, com sofreguidão, peguei logo para ler o livro seguinte da lista da disciplina: “A mulher de trinta anos”, de Honoré de Balzac. Mas minha alegre ansiedade viu-se freada, então. As primeiras páginas não o dizem, mas este livro de Balzac é muito mal-estruturado e repleto de partes entediantes. E, o pior, quase não há pausas no meio dos capítulos, o que complica ainda mais fazer uma pequena parada para tentar recobrar o fio da meada, que se rompeu quando tropeçamos nele, já que Balzac o tramou de maneira tão confusa que se enredou em nossos pés. Não lhe tiro o mérito por certas partes realmente interessantes, vívidas e atrativas, que me fizeram pensar que eu conseguiria concluir a leitura desse clássico canônico. Mas, por Deus! Ele parece simplesmente esquecer-se de um personagem (um dos amantes de Júlia), simplesmente cessando de falar dele. Além de criar frases tão longas que comprometem a compreensão das idéias, o que nos faz ter de relê-las cerca de meia dúzia de vezes pra só então dizer um “Ah...” de entendimento. Está certo que, por ter o livro sido publicado em partes em forma folhetim, a continuidade ficou um pouco comprometida. Disso o absolvo, “seu” Balzac. Mas, ah, por fazer de Júlia um fantoche que de um sem-número de sofrimentos padece aparentemente sem relação direta nenhuma com o desenlace da obra o senhor está atravessado na minha garganta. Ainda lhe dou o benefício da absolvição pois não o li inteiro, só. E, ademais, todos merecem uma segunda chance. Um dia tentarei reler a obra com mais calma.
Depois do Balzac, eu estava de saco cheio! Queria ler algo por gosto, algo diferente, de preferência algo completamente diferente do que lera
Chegamos, enfim, a teoria de que eu tinha falado lá no início: Embora muito diferentes entre si, essas obras compuseram uma trilogia em que eu me enlevei e comovi, me entediei e embotei, e, finalmente, recuperei o ânimo com a leitura, porém com cautela. É, meus caros amigos, Cortazar pode enlouquecer um leitor. O Gabriel é prova!
P.S.: Os livros de Dumas Filho e de Balzac são fáceis de encontrar na internet, mas o mesmo não se pode dizer do conto que citei de Cortázar, por isso indico um blog onde podem lê-lo: http://www.alscontos.blogger.com.br/