Pior inimigo
Louis observava o céu quase tão enuveado quanto seus pensamentos enquanto caminhava de volta para casa, em mangas de camisa, carregando o paletó dobrado ao redor do braço esquerdo. O ar estava denso e sufocante, e ele suava em demasia, especialmente na nuca.
Homem ambicioso, sabia que não subsistiria por muito mais em seu ramo de negócio a menos que eliminasse a concorrência. Bem, talvez não fosse para tanto, mas os padrões de um homem ambicioso são mais elevados. Contudo, antes era preciso descobrir quem eram seus concorrentes. E, por não saber quem eram, Louis encontrava-se num estado de extrema exasperação: até o constante "toc, toc" que seu calçado fazia ao colidir com a calçada de concreto o irritava. Precisava, era imperativo, que descobrisse quem lhe roubara uma fatia do mercado, para então poder aniquilar o infeliz!
Súbito, a linha de raciocínio do homem de "30 e alguns" anos, como ele mesmo se classificava, é talhada pela aguçada tesoura do acaso. Voltando a si, vê-se em uma praça, onde alguns ciganos "atacam" os passantes, oferecendo seus serviços místicos. Como reflexo, Louis livra-se da mão enrugada que lhe cingia o braço com um repelão. A velha senhora (que parecia ser a mais anciã do grupo romani) suspira, assustada. Sem dar tempo para que o empresário reaja, ela o argúi, com os olhos arregalados:
- Queres conhecer teu futuro, senhor? O que de bom o Fado te reserva? Ou aquilo que de mal pode te acontecer, que te impede de atingir todas as metas que engendras e todas as resoluções que tomas? O que te pode roubar o amor, a fortuna e a felicidade?
Surpreendido, mas sem terror, o suarento homem de negócios aquiesce e segue a encarquilhada anciã, cujas rugas apenas empalidecem a beleza de antanho. Segue-a até um cortiço de madeira, depois espreme-se atrás dela para subir em uma estrita escada do mesmo material. Finalmente chegam ao que parece ser a morada da velha e lá ela lhe diz para sentar, enquanto busca o fetiche.
Dentro de um velho e empoeirado baú ela retira um ensebado tarô, já amarelado e empenado pelo tempo. Ela o manipula destra e celeremente, espalha-o sobre a mesa, com as ilustrações viradas para baixo e pede que Louis retire três cartas. Por uma destas ironias da vida, justamente a carta que ele tinha em mente foi a que primeiro retirou... A XIII, a Morte. Caiu em um estado de estupefação e não pôde mais concentrar-se nas outras cartas que retirava, apenas parecia fazê-lo como se movido por forças externas. Só recobrou a lucidez (de forma semelhante ao que ocorrera na praça) quando a cigana voltou a tocar-lhe o braço.
- Preste muita atenção ao que vou lhe dizer, senhor! Das próximas palavras que ouvirás depende a satisfação de teus desejos. Teu mais poderoso e influente adversário está mais perto que imaginas. Ele quase pode sentir teus pensamentos antes que a luz dá razão os conceba! É inteligente e sagaz.
- E quem é ele? - retrucou Louis - Quero saber quem é e eu mesmo hei de... retirá-lo do meu caminho.
- Tens certeza que desejas mesmo saber, meu senhor? Algumas vezes o conhecimento é mais daninho que a ignorância...
- Ora, não banque a conselheira! Exijo que me diga quem é! Vou meter uma bala na cabeça desse cretino!
- Eu não posso dizer, mas - interrompeu a fala para inspirar um grande leva de ar - posso lhe fornecer os meios para tal.
Com isso, a senhora levantou-se e voltou ao baú, de onde retirou um pesado objeto envolto em um tecido carmesim aveludado. Entregando-o ao homem, disse-lhe:
- Chega em tua casa e desnuda este objeto. Ele te mostrará teu algoz, aquele que é o único responsável por teus fracassos e tropeços. Mas não o abra até lá!
Louis, agradecido, concordou com a condição, pagou à cartomante uma quantidade consideravelmente superior à que devia e retirou-se, a passos largos e confiantes, respirando mais aliviado, embora ainda sentisse um pouco do cheiro de bolor da casa da velha.
Ao chegar em casa, fez tudo como instruído. Logo, eliminou aquele que era o maior obstáculo entre ele e a felicidade.
Dois quartos de hora depois seu corpo foi encontrado sobre a cama, com um esgar de espanto, a arma que disparara contra o peito ao lado, quase sobre o pano carmesim que servira de embrulho a um espelho.