Rima versus Métrica
Os ônibus da empresa pública de Porto Alegre e a os trens da Trensurb têm afixados em seus interiores, respectivamente, cartazes das séries "Poemas no ônibus" e "Poemas no trem" e sempre que tomo essas conduções os leio.
Mas comecei a reparar uma coisa intrigante: A maioria dos poemas não tem rimas. Bem que tentei verificar se eles têm métrica, mas não consegui, pois no sacolejo do transporte público é difícil equilibrar até os pensamentos.
Portanto, temos duas possibilidades: seguem a métrica e esquecem a rima ou deixam ambas de lado, e só empilham sentenças cheias de divagações, como se a dita poesia fosse um prédio de um apartamento por andar, tão impessoal como uma estrutura de concreto e ferro pode ser. De qualquer forma, acho que a essência perdeu-se nessas poesias: a rima.
É a rima que traz a doçura ao texto, a graça, a beleza, a dor... E vejam como não é forçoso o que digo: O que seria do "Poema Pial" de Pessoa sem a rima? E teria graça o Batalhão das Letras de Quintana sem a rima do "xixi na xícara"? E seria tão angustiante o "Barrio sin luz" do então jovem Neruda sem os pares de som, tão lúgubres? Eu creio que não. A musicalidade está na rima. O fôlego, a entonação, a rapidez, contam mais para o ritmo do que um determinado número de sílabas, modificado ou não pela elisão.
Um poema (em verdade, ainda não consegui encontrar uma fonte que confirme que entre poesia e poema há a diferença de um conter rima e o outro não) sem rima é só uma prosa ainda mais estática, mais rígida, mais árida. Pode até ser bela, mas não acredito que combine com sentimentos que fazem a mente humana divagar.
A rima não pode ser deixada de lado, pois é ela que atrai, que cativa, que se insinua. É a melhor forma de chamar a atenção dos menos afeitos à literatura para as obras poéticas. E, claro, se quisermos usar métrica, por que não poderíamos usá-la de uma forma mais natural, menos restritiva? Vejam a composição que fiz, lendo os cartazes do transporte:
Desembestei a fazer poesia
Será heresia,
Uma coisa tétrica
Rimar sem se preocupar com a métrica?
Essa é a versão original (ou algo bem próximo disso, já que não tinha papel para anotá-la na hora em que veio à luz do meu pensamento), e que não tem nenhum dos versos com o mesmo número de sílabas que o anterior, mas até que são bem próximos (11 e 13 e 6 e 7).
Posteriormente, buscando deixar a métrica mais harmoniosa, fiz esta segunda versão:
Desembestei a fazer poesia
Será tanta heresia,
Ou coisa tétrica
Rimar sem interessar a métrica?
Nela, os versos dos pólos têm, cada, 11 sílabas. Os do meio têm 8. Até onde "supõe a minha vã filosofia" não há nenhuma estrutura de cosntrução poética que seja composta desta forma. Não é um soneto. Não é um haikai. Não é uma ode. Mas isso a torna menos inválida? Não. Menos acadêmica? Com certeza.
Talvez não esteja indo a lugar algum com este texto, então é melhor ao menos chegar a um ponto de orientação: o fim. O que quis dizer com tudo isso é que, se há algo que deva ser opcional em um poema é a métrica. Ela não deve jamais impedir a beleza das palavras. É como querer que as corolas das flores levadas ao chão pela chuva movam-se um pouquinho mais para lá, ou girem conforme tal padrão.
A poesia quer ser livre.