If justice rules the universe we are all in trouble
“Se Justiça governa o universo todos nós estamos encrencados”. Essa frase é a assinatura do usuário Esel4711 do fórum oficial do software de P2P eMule.
Logo que bati os olhos nisso, minha percepção do recado ali escrito foi totalmente distinta da que têm as pessoas menos “incomuns”. A frase obviamente refere-se ao fato de que todos os usuários desse programa baixam conteúdo com direitos autorais (alguém faz mesmo questão que eu mencione a irrisória quantidade de usuários que não baixa nada com copyright?). Portanto, caso houvesse justiça neste mundo, todos pagariam por algo incorreto que fazem agora e parece estar impune.
Eu também acreditaria nisso, não fosse por natureza um sujeito que não crê encaixar-se no estereotipo do homem contemporâneo e, mais que isso, se não tivesse uma certa tendência a ver o que todos vêem e enxergar o que a maioria não enxerga.
Esta frase agiu como uma bomba sobre mim. Devastadora, instantânea, pungente. Não são apenas os usuários desses programas que baixam coisas e acabam por safar-se de qualquer punição. São os políticos corruptos, os juízes de futebol envolvidos em esquemas de fraude, os empresários sonegadores, as mães negligentes...
Além da ausência de punição, uma outra faceta da falta de justiça me incomoda. O desequilíbrio e desigualdade. Alguns desfrutam de tudo ou, ao menos, de muito mais do que o necessário para se ter uma vida extremamente confortável. Não, não vou citar o que todos esperam. Deixem a já surrada comparação entre o habitante do sertão que morre de sede e o filhinho-de-papai que desperdiça quantidades opíparas de água ao lavar seu carro esportivo de lado. Usarei um raro tom pessoal nesse texto.
Há algum tempo, meu pai descobriu ter câncer. O mesmo aconteceu com meu tio e padrinho, que hoje se encontra em um estado bastante complicado no hospital. Tenho eu uma prima – filha deste tio - , que regula em idade comigo. As semelhanças acabam por aqui. Desde pequeno, nunca se pôde notar nela uma vocação especial para a humildade ou a simpatia. Mas isso nunca foi muito mais que uma característica repreensível da complexa personalidade mimada dela.
Até ano passado, quando completamos o Ensino Médio, ela estudava no Rosário, simplesmente o mais tradicional colégio gaúcho e fazia um dos melhores cursinhos pré-vestibulares do estado. Eu estudava em um colégio também particular, mas onde a disciplina era artigo perdido no dicionário onde a palavra reinante era desordem. No início deste 2005, fizemos vestibular com o intuito de ingressar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para o mesmo curso, e ela saiu-se amplamente melhor que eu. Posição 75 de 979 candidatos, ao passo que eu fiquei com uma posição nas cercanias da 100ª. Mesmo assim, não foi o suficiente: havia apenas 50 vagas.
Não que isso acarretasse algum problema pra ela. Enquanto a formiga aqui trabalhava num shopping com um patrão sonegador (lembra do início do texto?), a cigarra fazia (e ainda faz) Design na Feevale, com tudo pago por uma outra tia.
Bem, sempre ouvi minha mãe dizer que um dia as pessoas aprendem, com as “pedrinhas que Deus joga na cabeça delas”. Ao que parece, uma piora substancial no estado de saúde do pai dela não foi o suficiente. Esta prima minha não passou uma noite sequer no hospital com o pai dela. Continua a viver em um mundo de fantasia, onde é o centro das atenções. E pior, alimentam isso. A tia que paga a Feevale agora também paga a natação, as aulas de inglês e, pelo que entendi, até aulas de direção.
Não me entendam mal, não acho que devam deixar de estender as mãos a ela. Isso jamais. A caridade é uma das qualidades humanas que mais me agrada e me fascina. Mas a humildade e a gratidão também.
Voltando a fazer um paralelo entre esta minha prima e eu, examinemos o que recebo eu desta minha tia que a ela dá tudo (incluindo fartura de supérfluos como refrigerantes e chocolates). O máximo que dela recebo são e-mails com piadas (às vezes infames, às vezes boas) acerca do nosso presidente. Pelo que sei, sequer pergunta a minha mãe como estou. Quanto mais se preciso de algo.
Não gosto de mendigar (e minha polidez me impede que eu peça coisas), nem sou dado a inveja. Mas isto é uma tremenda desigualdade. Enquanto a princesinha mimada tem tudo do bom e do melhor e continua a agir com seu estilo indiferente, mimado e frio, o rapaz que apenas queria uma chance de estudar sem ter de trabalhar (pois cansava-se a ponto de não conseguir concentrar-se nas aulas quando era monitor) fica parado, sem que sequer questionem-se se ele está bem física e, mais importante, emocionalmente.
É este um exemplo de como a injustiça prejudica a todos e contamina de forma alarmante. Se ainda não ficou, faço-o agora. Desisti de meu desejo de tornar-me jornalista e prestarei Letras esse ano. Se não passar, ao contrário da princesinha, hei de trabalhar, por certo. O maior prejuízo para mim é para minha conduta: Com tantos espertos e imorais a darem-se bem sem esforço e eu somente a penar, penso seriamente em abandonar essas besteiras a que foram reduzidas hoje a ética, a humildade, a gratidão e outras morais e tornar-me um destes espertos. Talvez, fraquejando, consiga o que tanto anseio mas não alcanço ao resistir.