sábado, 18 de setembro de 2010

Upcoming movie traduzido

Idem à explicação do texto anterior.
Texto original: http://textosdoguga.blogspot.com/2009/11/upcoming-movie.html

Argentina e França gravarão obra-prima de Cortázar

Bruxelas (Bélgica), 26 de agosto de 2010.

Irina Bokova, Diretora-Geral da UNESCO, anunciou que a entidade vai patrocinar um futuro filme baseado no romance "O jogo da amarelinha", de Julio Cortázar (Rayuela no original em espanhol).
O anúncio foi feito em um lugar especial, em uma época especial: Cortázar nasceu em Bruxelas em 26 de agosto de 1914, durante a Segunda Guerra Mundial.
Bokova exaltou o escritor argentino como um dos tradutores mais criteriosos que jamais trabalharam para a UNESCO, especialmente por suas traduções das obras de Defoe e de Poe. De acordo com Bokova, espera-se que o filme fique pronto “para a celebração do centenário de Cortázar”.

Assim disse Gustavo @ 12:27 AM   2 comentário(s)

Avant-première traduzido

Acabei de traduzir este texto, originalmente publicado aqui: http://textosdoguga.blogspot.com/2009/11/avant-premiere.html, em inglês, para a "Katrina". Fiz bem às pressas, mas aproveito para postar aqui, também.

Hopscotch (Rayuela)
Lançamento: 08/26/2014
País: Argentina/França


Programado para ser lançado daqui a uma semana, Hopscotch teve sua avant-première hoje e tenho orgulho de dizer que fui um dos poucos sortudos a esta no cinema instalado dentro do Luna Park, em Buenos Aires, para assisti-lo antes de todo mundo. E eu gostei mesmo do que vi.

Qualquer um que tenha lido o livro de Julio Cortázar pode imaginar o quão complicado seria transpô-lo à tela grande, devido à sua organização interna heterodoxa. Mas o diretor fez um trabalho praticamente perfeito. As filmagens só começaram após uma pesquisa de dois anos, com Jaime Alazraki e Saúl Sosnowski como os principais consultores para o filme. Alguns conselhos também vieram da Univesity of Texas at Austin, onde está a maior coleção de itens do autor argentino nascido na Bélgica.

Uma co-produção da Argentina e da France, o filme tem cenas gravadas em Buenos Aires e Paris. As estrelas do elenco são o anteriormente ator de rádio Tito Balcárcel e a belíssima Glenda Garson. Ela está perfeita no papel da não-tão-esperta Lucía “La Maga” e ele está incrível como o muito-esperto-mas-muito-confuso Horacio Oliveira.

A trilha sonora casa perfeitamente com o élan do filme. Enquanto Horacio está na França, músicas suaves são tocadas em volume baixo no background; quando ele chega na Argentina Argentina, ouvimos muitos tangos: Gardel, Contursi e vários outros. O resto da trilha sonora é composto de músicas de jazz que os membros do CLube da Serpente escutem (Jelly Roll Morton, Duke Ellington) e uma canção muito suave e, bem, erótica, de Norah Jones tocada durante a cena que corresponde ao Capítulo 7 no livro.

Você tem que ver esse filme! Não perca!! E, depois que o DVD for lançado, compre-o! No DVD, de acordo com o diretor do filme, em sua entrevista após a sessão da avant-première, será possível escolher de que maneira você quer assistir à história: na sequencia direta (sem os "capítulos prescindíveis") ou pulando amarelinha pela lista toda.

O que está esperando? Compre o pré-lançamento agora!

Assim disse Gustavo @ 12:00 AM   0 comentário(s)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Minutos de acréscimo

- Outra coisa bacana ao acompanhar a Copa do Mundo, como ao acompanhar outros eventos desse porte, é sentir o curso da história, sentir "a história sendo feita". Fica mais fácil em eventos como esse, com repercussão grande e que acontecem em curto período de tempo, sentir o fluxo da história, a construção da memória. Presenciaremos, no próximo domingo, o primeiro título de Holanda ou Espanha.

- A Copa é uma boa chance de conhecer novos bons jogadores. Meu voto de craque do mundial vai para Mesut Özil, convocado no lugar do contundido (e muito menos bom jogador) Michael Ballack.

... e o juiz apita o final do texto! Digo, da partida!

Assim disse Gustavo @ 3:09 PM   0 comentário(s)

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Copa!

Descobri que não gosto de futebol. Gosto mesmo é de Copa do Mundo.

É claro que, vez ou outra, ainda vou achar graça num jogo nacional ou regional, e certamente vou assistir às finais da Libertadores se meu time chegar lá. Mas vai ser difícil sentir emoção parecida.

A Copa do Mundo me acostumou muito mal. Quase três semanas ininterruptas de bom futebol todos os dias, primeiro três partidas por dia, depois duas por dia. Agora, neste intervalo de dois dias sem jogo, antes das quartas-de-final, fica difícil imaginar a sensação que ficará depois que o torneio acabar. Ficar refém das transmissões às quartas à noite ou aos domingo no fim da tarde (horários francamente deprimentes para se ver futebol, a não ser que se esteja no estádio); ter de se contentar com um jogo que não interessa e não cativa, com times contra os quais nada tenho, mas a favor dos quais também não nutro nenhum sentimento (como um Vasco x Grêmio Prudente ou Atlético-GO x Palmeiras); se acostumar à falta de qualidade técnica e à falta de ânimo dos jogadores, e à falta de apoio dos torcedores, que por qualquer derrota queimam camisetas, atiram cédulas ao campo etc.

Na Copa, mesmo que haja grande diferença técnica entre algumas seleções na primeira fase, sabe-se que ali estão os melhores – a Inglaterra, a França, a Itália, países do futebol mais rico do mundo, não podem contar com seus investimentos para reforçar o English Team, os Bleus, a Azzurra; Gana, país africano, pobre, teve material humano que trouxe melhores resultados.

A Copa do Mundo me encanta também pela multiplicidade étnica, pela possibilidade de conhecer os outros países, as outras culturas, os outros hinos. O japonês naturalizado norte-coreano chorando ao ouvir o hino do país que adotou é uma das imagens mais marcantes da Copa. Dizem que os brasileiros só são patriotas a cada quatro anos, e estou propenso a acreditar. Mas se esse é o nosso único jeito de conseguir união nacional, bem, melhor aproveitá-lo.

O colorido das torcidas, que convivem lado a lado, sem alambrados para separar os torcedores dos adversários do jogo; as musas da Copa; os estádios lindos (o Moses Mabhida é meu favorito, por sua vocação para obra de arte modernista); os erros revoltantes de arbitragem; a festa de um povo que fez o primeiro Mundial na África. Tudo isso contribui para que eu me entusiasmasse enormemente com a Copa do Mundo 2010, assistindo todos os jogos (lutando para ver nem que fossem 30 segundos de Argentina x México).

É provável que fique um grande legado na África do Sul: uma grande exposição no mundo todo, estádios modernos (que poderão ser usados também para o rugby, creio, o que diminui as chances de que obras tão caras fiquem pegando pó depois da Copa), uma participação honrosa na Copa. Espero que o motivo pelo qual a mídia não tenha noticiado racismo e violência sexual seja que esses pesadelos estejam se acabando em uma terra já muito sofrida, que merece paz, enfim.

Que os shows (o de abertura contou com Shakira, Black Eyed Peas, Juanes e outros grandes nomes internacionais), a festa popular e os jogos em alto nível (fora um ou outro, em que a pancada comeu solta) não nos façam esquecer os problemas. Mas, por outro lado, não deixemos de festejar, para renovar sempre a alegria e a esperança que nos permitem seguir na luta pela dignidade.

Assim disse Gustavo @ 3:02 PM   0 comentário(s)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Post Scriptum ad Ornithorhyncho texto

(Ou, em língua atual, um P.S. ao texto sobre o ornitorrinco)

- Também me considero um ornitorrinco porque consigo fazer duas coisas, enquanto a maioria das pessoas parece só conseguir uma - é difícil encontrar alguém disposto a me ouvir; mesmo assim, procuro ouvi-los (já que sei como é ruim não prestarem atenção à gente ou prestarem parcialmente, logo se distraindo com qualquer coisa que aconteça à volta).

- Acho que em geral ornitorrincos não são bem aceitos porque todos esperam poder atribuir categorias estanques a tudo. Esperam um pato (ave típica) ou um pastor (mamífero mais ou menos típico), e aí, quando veem uma criatura que está na fronteira entre os dois, não sabem o que fazer com todas as suas pré-concepções.

Assim disse Gustavo @ 9:47 AM   1 comentário(s)

domingo, 2 de maio de 2010

Eu sou um ornitorrinco



Título inspirado por: livro de Natsume Sōseki (“Eu sou um gato”)

Ilustração inspirada por: livro de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (“O leopardo”)

Texto inspirado por: Espera de encomenda de uma pelúcia de ornitorrinco (Perry, o ornitorrinco), texto sobre estar dividido entre dois polos e sobre a descrença naqueles que não se contradizem.

(A introdução original ficou muito grande, mas coloco ela ao final do texto, onde talvez possa ser menos maçante.)



Eu sou um ornitorrinco.


Não um ornitorrinco de fato, mas em espírito.


Descobri isso enquanto esperava uma encomenda vinda do exterior: um bicho de pelúcia do Perry, o ornitorrinco, personagem que mais me cativa no desenho “Phineas e Ferb”. Ele estava demorando muito mais para chegar do que o prazo dado pela vendedora. Já o dava como perdido no sistema postal e estava meio triste por isso. Dessa e de outras melancolias veio a conclusão de que eu sou um ornitorrinco.


Um ornitorrinco porque (eis as outras melancolias) não me encaixo, porque me pedem sempre algo que não posso ser, uma criatura bem acomodada em categorias estanques. Um ornitorrinco é ovíparo mas também mamífero: está, à sua própria maneira, “à cavalo sobre duas águas de um telhado”. Isso me desperta grande simpatia por eles, porque, como diz outro texto de não lembro quem, “desconfio de quem não se contradiz” (ou algo assim).


Este próprio texto prova isso. As referências que cito são da literatura e de desenhos animados. Não que sejam coisas opostas, mas são geralmente vistas como incongruentes, como pertencentes uma ao mundo dos adultos, outra ao mundo das crianças. Bobagem pré-fabricada e engolida a colheradas pelos que estão sempre seguros de si, os que não se contradizem.


Leio as teorias sociológicas de Bauman, grandes obras do cânone ocidental (Shakespeare, Eça de Queiros, F. Scott Fitzgerald, só para citar os últimos) e aquelas do oriental em que consigo pôr minhas mãos; mas isso não me faz “maduro demais” para esperar ansioso o horário em que a TV reprisa Chaves ou os tokusatsus da minha infância (CyberCop, Jirayia, Jiban...); ouço Jazz (menos do que eu queria, é verdade) mas não deixo de baixar o último single dos artistas que me chamam a atenção (Lady Gaga leva aos limites sua capacidade de chocar o público som seu novo-surrealismo-pop); sou carinhoso com as namoradas (estenda-se o sentido a todos os “afins” de namorada), mandando bilhetinhos, comprando presentinhos... mas muitas delas tiveram dificuldade em entender que amor e sexo podem andar juntos, cada um com suas características próprias (por incrível que pareça, já passei pelas duas situações: umas não sabiam amar, outras não sabiam fazer o amor). A pureza do amor pede a sordidez do sexo, e vice-versa.


E até com a linguagem sou assim. Gosto de escrever bem, acho que às vezes o texto precisa vestir uma roupa mais elegante (palavras mais refinadas, se é que se pode chamá-las assim...), mas sou contra o academicismo e o pedantismo: aquele “coloco ela”, lá em cima, foi intencional. É muito mais natural, muito mais entranhável.


E, enfim, como diria o Perry:


-Hrrrrrrrrrrr!







Background:

Este texto está cheio de influências. Por isso, talvez não soe tão original quanto eu queria quando eu disser, a sério, que eu sou um ornitorrinco. Essa ideia, a tomei emprestada do escritor japonês Natsume Sōseki – e a modifiquei um pouco, para se adequar mais. Sōseki escreveu “Eu sou um gato”, livro em que o protagonista e narrador é... um gato. Se perco em originalidade por usar uma ideia que deve sua origem a um grande escritor e se perco também em capacidade de expressão na frase (o título original do romance, em japonês, usa uma forma hierarquia geralmente reservada apenas a autoridades como o Imperador, difícil de traduzir tão sinteticamente), enfim, se perco em tudo isso, ganho em ineditismo, porque, injustamente, ornitorrincos não são populares; quase nunca são citados, a não ser como sinônimo algo estranho.

Outra influência é o brasão que encima este texto. A ideia me veio depois de ler “O leopardo” (atualmente com uma tradução brasileira chamada “O gattopardo”), de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, romance que conta as transformações na sociedade italiana à época do Risorgimento (a unificação dos estados da península italiana), acompanhando o declínio da família de Dom Fabrizio Corbera (o enredo é inspirado na história da família do próprio Tomasi di Lampedusa). No livro, a linhagem de Dom Fabrizio tem como símbolo heráldico um gattopardo (outro problema de tradução aqui: esse felino nem é o leopardo, e nem é chamado de gattopardo em português; o nome em português seria serval – ou uma subespécie – mas vá convencer as editoras a mudar o título...). Esse símbolo aparece nas propriedades da linhagem, e há forte identificação dele com o protagonista.

Uma terceira influência (espero que isso não esteja ficando entediante...), a “central”, por assim dizer, aquela que me deu o “estalo” inicial de escrever este texto foi a longa espera para receber uma encomenda vinda dos Estados Unidos: um ornitorrinco de pelúcia; mais especificamente, uma pelúcia do Perry, o ornitorrinco, personagem do desenho Phineas e Ferb.

A quarta e a quinta influências são dois textos que, como com frequência acontece comigo, não lembro de quem são, mas desconfio que sejam do Cortázar. O primeiro texto usava, acho que para se referir ao escritor, a imagem de alguém a cavalo sobre as duas águas de um telhado – ou seja, bastante dividido. O segundo, dizia algo como “desconfio de quem não se contradiz” e frisava que tinha de ser contradições sérias, não qualquer bobagenzinha.


Assim disse Gustavo @ 6:54 PM   0 comentário(s)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Num cinema britânico...

Um cinema britânico. O filme já começou. Um espírito com expressão perdida assiste visivelmente (isto é, para os que o podem ver) desagradado ao filme. Têm no rosto um par de óculos com uma lente de cada cor que contrasta vivamente com sua essência incorpórea incolor. Veste uma roupa pesada e escura, típica da Inglaterra vitoriana. Está imóvel, mas resmunga, o que deixa o cavalheiro sentado ao seu lado impaciente.

- Meu senhor - resmunga o cavalheiro -, desculpe... mas o senhor está incomodando aos demais!

O espírito vira o rosto e abre a boca etérea para responder, mas interrompe o movimento e quase berra (isto é, para os que o podem ouvir):

- Mr. Dahl!

- Mr. Dodgson! - replica o outro, tão surpreso quanto o primeiro.

Mr. Dodgson: O que o senhor faz aqui? Quero dizer, o que um espírito como o senhor pode querer aqui, numa sessão de cinema?

Mr. Dahl: Que pouco polido e pouco coerente da sua parte dizer isso, Mr. Dodgson. Acaso o senhor também não é um espírito? E o tem sido há muito mais tempo do que eu!

Mr. Dodgson (um pouco contrariado, um pouco divertido): Bem, isso é verdade... Mas vim porque o filme me diz respeito!

Mr. Dahl: Uma biografia?

Mr. Dodgson (resmungando): Uma biografia... - E continua, em tom normal - Mais uma adaptação.

Mr. Dahl: Ah, entendo... sei como é.

Mr. Dodgson: Queira desculpar, mas temo que não, que o senhor não "saiba como é" (diz isso em leve tom de troça). O cavalheiro que dirige esta película é um costumaz violentador de obras literárias.

Mr. Dahl: Ah, então eu não sei, o senhor diz. Pois antes de adaptar um escrito seu, ele fez o mesmo com o meu.

Mr. Dodgson: A sério?

Mr. Dahl: A sério! Vocês ingleses acham que são os pioneiros até nas desgraças, não acham? Pois fica uma vez mais provado que os galeses é que são sempre os primeiros. (Sorri em silenciosa vitória.)

O silêncio acampa momentaneamente entre os dois, até que

Mr. Dodgson (como se falasse para si, somente): Veja que absurdo! Não bastasse botar sobre os ombros da minha protagonista mais um inglório decênio (e fazê-la flertar com um Chapeleiro andrógino, para dizer o mínimo), ainda empastela a Rainha de Copas com a Rainha Vermelha!

Mr. Dahl: Realmente lamentável.

Mr. Dodgson: E que doentio pendor este mentecapto tem para as coisas lânguidas! A Rainha branca, de uma figura atoleimada e desalentada, foi feita uma mistura de indiferença, apelo sensual (se benze) e desvario.

Mr. Dahl: Deviam cortar a cabeça a ele... ao menos artisticamente falando...

Mr. Dodgson (de maneira vaga): Certamente...

Mr. Dahl: Justo nossas obras, destinadas a fazerem as crianças sonharem (e, se inspiram os adultos, tanto melhor)... Por que ele não escolheu os livros de um demente? Afinal, eles não faltam na literatura...

Mr. Dodgson: Sim, sim. Sade escrevia nas paredes de seu cárcere com suas próprias fezes (pigarreia e pede desculpas pelo termo, ao que Mr. Dahl, espírito mais moderno, só pode achar graça), assim o faz o senhor Burton com a sétima arte.

Mr. Dahl (rindo): Vejo que o senhor não perdeu sua sagacidade, Mr. Dodgson.

Mr. Dodgson (suspirando): Me perdoe... Me excedi. Mas o fato é que não se pode se conformar com tamanha deturpação! E não se trata de ser avesso às modernidades e às novas linguagens, meu caro Mr. Dahl... Veja as adaptações cinematográficas anteriores que (interrompe a fala com um esgar de nojo e terror durante uma cena em que a mocinha tem de pisar cabeças cortadas a flutuar em água misturada a sangue; exalta-se) Ora, mas é o fim! (A plenos pulmões já) As cabeças nunca eram de fato cortadas! É um ultraje! Onde está o verdadeiro nonsense?!

A muito custo, Mr. Dahl consegue acalmá-lo e, depois de pedir que ele continue, ouve:

Mr. Dodgson (arfando): As adaptações anteriores não são de todo mal... O desenho do sr. Disney, por exemplo... Há, contudo, aquela fastidiosa versão para a televisão, do final da década de 1990... No geral, tudo plenamente suportável. Agora... ISTO!

Mr. Dahl: Sinto muito, muito mesmo. Eu não tive tantas vezes a minha obra adaptada, mas lembro com carinho de certo Mr. Wilder que fez um comovente Willy Wonka... O olhar perdido, entre sonhador e desiludido, daquele homem é algo muito cativante, emprestou ao filme uma emoção sincera e sublime. Já o novo Wonka que o senhor Burton escolheu... há algo de facínora, não no ator, mas no conjunto ator-diretor-clima geral da obra.

Mr. Dodgson: Essa parceria tanta vezes repetidas me dá a impressão de que sempre saberei mais como será o filme, pelo menos o suficiente para tirar toda a graça de assistir.

Mr. Dahl: O senhor tem razão. É bem verdade que vim mais para ver como é isso de cinema 3D e...

Mr. Dodgson: Ora, cinema 3D... Meu caro Mr. Dahl, o que é preciso realmente ver em nossas obras não precisa, nem pode, ser visto com esses óculos de péssimo gosto estético. (Levanta-se e começa a se retirar, seguido por Mr. Dahl) Seria preciso, antes, que lessem os livros, não cedendo à aparente facilidade de um filme, ao sentar-se e deixar-se levar sem ter de pensar muito. A "graça" de nossos livros deve ser buscada, através dos trocadilhos, dos enigmas (falo de meu caso, especificamente, mas certamente seus livros também têm suas riquezas recônditas), do estilo. (Já saíram do cinema e estão prestes a ir cada um para seu lado.) Em suma, Mr. Dahl, eu diria que antes de óculos, o que o público precisa é aprender a ler com o coração. (Acena levemente a cabeça e se vai.)

Mr. Dahl deixa-se ficar um pouco ali, à frente do cinema, olhando o movimento do público. Pensa no que Mr. Dahl disse. Chega à conclusão de que é um pouco piegas, mas que faz todo o sentido.

Assim disse Gustavo @ 1:13 AM   0 comentário(s)

terça-feira, 20 de abril de 2010

Leitoras

Dia desses, eu procurava saber quem era e o que tinha escrito o Daniel Galera. O nome eu já conhecia e já tinha ouvido falar alguma coisa sobre ele, mas, sabendo que ele ia dar uma palestra na minha universidade, fiquei interessado em maiores detalhes. E fui procurar na internet, é claro.

Muita gente fala de como a internet é maravilhosa porque permite encontrar aquilo que a gente procura. Eu a acho valiosa porque permite encontrar o que não procuramos. Foi o que aconteceu comigo dessa vez: procurando pelo Daniel Galera, encontrei um tema para escrever – que só de longe tem a ver com o cara.

Quando mudei o mecanismo de busca de “Web” para “Imagens” (queria ver como era o tal Galera) encontrei o blog “Entreaberta”, em que o post “Apetitosa Cordilheira” (http://entreaberta.blogspot.com/2008/11/mamihlapinatapai.html) é ilustrado por esta foto:



Até agora, muitos dias depois que isso aconteceu, ainda não consigo olhar para a foto sem perder muito da minha capacidade de expressão. Não só por causa do suave mas puríssimo erotismo do seio entrevisto (de uma sensualidade perfeita, sem sobrar nem faltar, nem insosso nem agressivo), mas também porque não consigo imaginar um elogio mais alto a um livro, quase uma declaração, do que uma foto como essa. Me comoveria e me realizaria se o livro que aparece nessa foto fosse meu, tivesse na capa o meu nome e o nome de um dos meus mundos imaginários.

Não consigo não pensar nas mulheres cortazarinas vendo uma foto assim, especialmente em Alana de “Orientação dos gatos”, porque entre Patrícia (a autora do “Entreaberta”) e o livro parece existir uma ligação igual à de Alana com o gato do conto de Cortázar: uma ligação profunda de entendimento, cujos códigos e mesmo o simples entendimento básico escapam ao protagonista (no conto) e a mim (aqui escrevendo). É óbvio que há tensão, sensualidade, mistério... mas ele está irremediavelmente fora de nosso alcance. Quando Alana olha para o quadro, ou quando Patrícia estende o livro frente aos seios, se perdem (ou se encontram) em uma realidade da qual nos resta apenas ser espectadores.

Dias depois, ligo a televisão pela manhã, ainda meio tonto de um sono mal dormido, e vejo um vídeo que me chama a atenção. É este, de Thiago Pethit e Tiê:


Quem assistiu ao vídeo e me conhece há mais de dois dias entendeu porque o vídeo me interessa. Enquanto o protagonista anda pelas ruas da cidade (Horacio Oliveira?) a protagonista, que bota as cartas de tarô (Lucía, la Maga?) lê... Rayuela, do Cortázar! Mas, fora isso, a música é boa (a voz grave do Thiago faz um bonito dueto com a voz suave da Tiê) e animação é singela e agradável. E a Maga-em-desenho-animado deitada ao lado do livro dá uma sensação vagamente semelhante à da foto da Patrícia.

Mulheres e livros, como é bom descobrir seus mistérios.

Assim disse Gustavo @ 5:26 PM   0 comentário(s)

sábado, 3 de abril de 2010

Tchekhov e Sr. R

Fazia muito tempo que eu não entrava no MSN, mas ontem entrei e conversei com um amigo de longa data. É uma dessas amizades em que a sintonia de ideias é bem clara e que acaba nos revelando aspectos de nós mesmos.
Mas, no caso de ontem, o Sr. R. (apelido fictício do meu amigo, porque nem avisei a ele que escreveria um texto sobre isso) mostrou uma sintonia de ideias não só comigo, mas também com Tchekhov. Explico: Sr. R. me contava das recentes mudanças em sua vida, do fim do namoro de longo tempo e, no meio do relato, soltou uma frase que, imagino, ele não desconfie como é emblemática de um modo de pensar. Ele disse assim:

- "Sozinho acho mais fácil subir na vida".

O que isso tem a ver com Tchekhov? Sr. R. não é russo, não escreve teatro, nem contos (nem romances, nem poemas....). Mas, sem saber, e guardadas as devidas pertinências aos contextos originais, fez uma paráfrase de Tchekhov que disse, em seu conto Enfermaria n.º 6:

"A verdadeira felicidade é impossível sem a solidão." (TCHEKHOV, Anton. Enfermaria n.° 6. In: Idem. As três irmãs; Contos. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p. 344.)

Acho que Sr. R. nunca leu Tchekhov... o que torna a afirmação dele mais adequada como argumento nessa questão, já que afirmou uma verdade que parece estar no coração e na mente de todos que saibam refletir, sem simplesmente aderir a uma teoria intelectual.

Eu, como solitário meio imposto, meio voluntário, concordo.

Assim disse Gustavo @ 2:06 PM   0 comentário(s)

quarta-feira, 31 de março de 2010

Não tem graça

Agora o mundo vive em paz. Acabaram-se os filicídios, patricídios, matricídios, fratricídios. Qualquer assassinato já não faz mais sentido. Aprendemos a respeitar o próximo, não importa o quão próximo esteja (já que, descobrimos, quanto mais próximo mais difícil realmente amar). Nem brigas de trânsito há, e apenas lamentamos quando lembramos que pouco tempo atrás a violência explodia de madrugada em cruzamentos movimentados e lá éramos homens e mulheres de Neandertal, habitantes de cavernas modelo do ano, com clavas quadriband que usávamos como arma, atingindo no rosto aqueles com quem tínhamos de dividir espaço, reafirmando com as porradas GSM que o espaço era nosso, era do mais forte, do mais brutal e cavernoso.

Nossa ignorância escoou-se até mesmo das paixões futebolísticas e agora todos sabem que, se o time perde, não adianta cobrar mais e mais, fazer cenas passionais como cornos futebolísticos, jogar cédulas amarfanhadas, ameaçar jogador, chamar técnico de burro, apedrejar ônibus como se fosse prostitutas bíblicas; quando finalmente nos demos conta de como tudo isso põe nervosos a todos, deixando a bola ainda mais cúbica que esférica, ficamos envergonhados de nossa própria burrice.

Como a violência cessou de nos interessar, quebramos o círculo e não alimentamos mais a mídia que explora a desgraça humana, a agonia, o desespero e a dor, confortavelmente servidos em uma ascética bandeja coberta com o enganoso pano da benfeitoria. Também se acabaram os reality shows, porque agora só nos interessa a verdadeira realidade (que em nada se parece a um confinamento cheio de mordomias), suas complicações e as maneiras de expandi-la, aproximando o homem de seu potencial total, absoluto.

Ajudou muito nisso nosso senso crítico de cultura e o acesso mais fácil a ela: livros, discos, shows, peças... tudo por um preço que já não obriga a escolher entre o prato ou o ingresso. Para divertir, sim, mas também para pensar, para sentir, para questionar, para descobrir-se e situar-se no mundo e em relação aos outros.

Enfim, já não se precisa mais temer olhar e sorrir, ninguém mais encara essas expressões como armas ou agressões e são bem recebidas, como expressão de louvor aos novos tempos, que tanto merecemos por tanto termos lutado por eles.



1º de abril (e não tem graça).

Assim disse Gustavo @ 3:43 PM   1 comentário(s)

O Autor

O autor
Nome: Gustavo Ribeiro
Lugar: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Um cara aprendendo com a literatura e as culturas de outros países e do meu. Sempre aprendendo, sempre vivendo como se fosse o último dia.

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