domingo, 11 de outubro de 2009

Coruja (fábula)

Havia na floresta uma coruja muito sábia, capaz de se comunicar nas línguas dos humanos e nas línguas dos animais. Pousada em um galho que balançava com a brisa da tarde, não se admirou quando viu chegar correndo um burrinho – mas ficou curiosa. Perguntou, na língua dos burrinhos:

- O que há, meu caro? Para onde vais? Do que foges?

- Do meu malvado dono – respondeu o burrinho. Ele me persegue porque fugi dele, fugi de seu temível chicote e das dores que ele me infligia.

E fugiu a trote solto para dentro da floresta.

Em seguida, veio um homem com aparência de cansaço, ofegando ruidosamente.

E a ave perguntou, em língua humana:

- O que há, meu caro? Para onde vais? A quem persegues?

- A meu burrinho fujão. Sei que fugiu porque eu o batia com o chicote, mas se ele regressasse eu não voltaria a fazê-lo.

- Veja – retrucou a coruja – eu sei falar as línguas de ambos. Posso facilitar a comunicação de vocês e convencê-lo a voltar.

Quando conseguiu reunir os dois na sua frente, a ave procedeu assim: ouvia cautelosamente um e comunicava ao outro o que fora dito. Eles foram ficando raivosos um com o outro, e a raiva fazia com que se expressassem cada vez com menos lógica, o que dava um trabalho danado à ave, que suava para conseguir comunicar tudo com rapidez e clareza.

Aconteceu, então, que já não mais se entendiam, e logicamente atribuíram a culpa à coruja. De um lado, o burrinho dizia: Você tinha um trabalho tão fácil a fazer e não o fez direito! Do outro, esbravejava o homem: fui por sua culpa que ele foi embora, você não soube persuadi-lo.

A coruja permaneceu para, com os olhos arregalados, como todas as corujas.

Moral da história: A culpa é sempre do tradutor.

Marcadores: Produção Textual I, UFRGS

Assim disse Gustavo @ 10:32 PM   0 comentário(s)

Úrsula (crônica)

(Ok, história um pouco requentada... mas eu estava sem idéias para uma crônica... então dei nova roupagem a essa velha bela história)

A lógica das crianças, junto com certa graça, tem uma clareza de visão que parece totalmente alheia à lógica dos adultos, e muito mais profunda também.

Se o Dante que escreveu “Da Monarquia” fosse criança (claro que mantendo seu conhecimento enciclopédico e suas convicções sociopolíticas) não gastaria uma centena de páginas para provar, por meio de silogismos, citações de Aristóteles e outros recursos, que igreja e estado deveriam estar separados. Provavelmente ele diria simplesmente “Ué, são duas coisas diferentes!”; o que é um argumento simples, mas inegável.

Claro que a Úrsula não era nenhum Dante, mas a lógica dela tem lá seu valor e inclusive pode fazer um bem pra sociedade.

Era um dia de calor, bom mesmo para estar no clube; se não dentro da piscina pelo menos debaixo de um guarda-sol, que é para escapar do mormaço sufocante. Eu ali, bem sentado numa espreguiçadeira. Parecia que eu estava numa fila de banco (porque o tempo não passava), uma fila de banco dentro do Mauna Loa, porque tinha a impressão que de tão quente logo algum vulcão ia entrar em erupção.

Tentando absorver por osmose ou por milagre aquela quase-brisa, fechei os olhos e sonhei acordado com as praias de Barbados e as mulheres exóticas da ilha. Devia estar com a expressão mais aparvalhada do mundo quando sinto algo puxar o meu calção.

Virei a cabeça para o lado, com a sensação de está-lo fazendo em câmera lenta e vi a pequena ali. Já a tinha visto antes, eu e minha namorada conversamos com a mãe dela antes, até já sabíamos o nome dela, que ela tem cinco anos, que está quase entrando na primeira série e que – ela fez questão de frisar isso – não gosta da cor vermelha. Vi aquela carinha ainda molhada de lágrimas, mas com uma expressão muito maior de indignação do que de tristeza.

Perguntei:

- O que foi, Úrsula?

Ao que ela respondeu, muito séria, e com ar de ofendida em sua dignidade:

- Ela me deu de chinelo! – disse, apontando para a mãe. E de chinelo vermelho, ainda!

Saiu indignada, como se fosse se queixar ao Papa. Ou ao Imperador. E eu me deixei ficar ali, um pouco mais desperto e muito mais divertido, concordando silenciosamente com Úrsula: se vão bater na gente com chinelo, que pelo menos seja um chinelo da cor que a gente goste.

Marcadores: Produção Textual I, UFRGS

Assim disse Gustavo @ 10:29 PM   0 comentário(s)

O alvo (pequeno histórico narrativo)

Escondido pela noite e por seu casaco impermeável e seu chapéu, observou à sua volta antes de verificar se a porta estava aberta. Não estava, mas com um grampo de cabelo abriu a porta; depois, fechou-a atrás de si sem que ninguém o tivesse visto entrar.

Ali dentro estava quase tão escuro como lá fora, mas trazia consigo sua lanterna. Procurou pelo grande móvel de metal e quando o achou tirou dele uma pasta. Colocou-a sobre a mesa, aberta, e pôs-se a analisar os papéis que estavam dentro dela.

Ali havia informações sobre o alvo: formado em escola particular, o que mais gostava de estudar era interpretação e, principalmente, redação de textos. O curso de Letras não foi sua primeira opção – leu isso enquanto puxava a cadeira e sentava-se, sem desviar o olhar das informações – mas encontrara seu lugar ali. Trabalhava agora como tradutor e revisor freelancer sem saber muito bem aonde o curso vai lhe levar.

Era uma ficha confusa, provavelmente porque o próprio homem por trás da ficha era confuso e prolixo. De modo que pulou a leitura de algumas informações, aborrecido. De repente voltou atrás, porque se lembrou de ter visto algo sobre tradução. Sim, tinha mesmo visto. O rapaz escrevera, num dos textos anexo à pasta, que escolhera ser tradutor porque gosta de textos: de lê-los, escrevê-los... e também porque assim, por meio da tradução, pode-se levar o texto a mais gente, divulgando a cultura e o conhecimento.

Parecia um bom homem, pela ficha. Seria uma pena, mas tinha de ser assim. Saiu dali sem botar nada em seu lugar, deixando até a porta aberta. Parou um momento e conferiu se trazia a arma no bolso. Continuou a andar e veio em meu encalço.

Marcadores: Produção Textual I, UFRGS

Assim disse Gustavo @ 10:22 PM   0 comentário(s)

Nova safra de textos da UFRGS

Fazia tempo que não atualizava substancialmente o blog. Mas me lembrei que tenho textos para publicar: são textos para duas novas cadeiras da UFRGS: Produção Textual I e Inglês VI. Vou postando elas conforme for escrevendo. Mas como não queria postar antes de arrumar o layout do blog (o xs.to sumiu com minhas imagens de perfil e de banner, sei lá por que), alguns textos acumularam.
Vou ver como vou postar eles...

Marcadores: Inglês VI, Produção Textual I, UFRGS

Assim disse Gustavo @ 10:14 PM   0 comentário(s)

O Autor

O autor
Nome: Gustavo Ribeiro
Lugar: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Um cara aprendendo com a literatura e as culturas de outros países e do meu. Sempre aprendendo, sempre vivendo como se fosse o último dia.

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