segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Rima versus Métrica

Os ônibus da empresa pública de Porto Alegre e a os trens da Trensurb têm afixados em seus interiores, respectivamente, cartazes das séries "Poemas no ônibus" e "Poemas no trem" e sempre que tomo essas conduções os leio.

Mas comecei a reparar uma coisa intrigante: A maioria dos poemas não tem rimas. Bem que tentei verificar se eles têm métrica, mas não consegui, pois no sacolejo do transporte público é difícil equilibrar até os pensamentos.

Portanto, temos duas possibilidades: seguem a métrica e esquecem a rima ou deixam ambas de lado, e só empilham sentenças cheias de divagações, como se a dita poesia fosse um prédio de um apartamento por andar, tão impessoal como uma estrutura de concreto e ferro pode ser. De qualquer forma, acho que a essência perdeu-se nessas poesias: a rima.

É a rima que traz a doçura ao texto, a graça, a beleza, a dor... E vejam como não é forçoso o que digo: O que seria do "Poema Pial" de Pessoa sem a rima? E teria graça o Batalhão das Letras de Quintana sem a rima do "xixi na xícara"? E seria tão angustiante o "Barrio sin luz" do então jovem Neruda sem os pares de som, tão lúgubres? Eu creio que não. A musicalidade está na rima. O fôlego, a entonação, a rapidez, contam mais para o ritmo do que um determinado número de sílabas, modificado ou não pela elisão.

Um poema (em verdade, ainda não consegui encontrar uma fonte que confirme que entre poesia e poema há a diferença de um conter rima e o outro não) sem rima é só uma prosa ainda mais estática, mais rígida, mais árida. Pode até ser bela, mas não acredito que combine com sentimentos que fazem a mente humana divagar.

A rima não pode ser deixada de lado, pois é ela que atrai, que cativa, que se insinua. É a melhor forma de chamar a atenção dos menos afeitos à literatura para as obras poéticas. E, claro, se quisermos usar métrica, por que não poderíamos usá-la de uma forma mais natural, menos restritiva? Vejam a composição que fiz, lendo os cartazes do transporte:

Desembestei a fazer poesia
Será heresia,
Uma coisa tétrica
Rimar sem se preocupar com a métrica?

Essa é a versão original (ou algo bem próximo disso, já que não tinha papel para anotá-la na hora em que veio à luz do meu pensamento), e que não tem nenhum dos versos com o mesmo número de sílabas que o anterior, mas até que são bem próximos (11 e 13 e 6 e 7).

Posteriormente, buscando deixar a métrica mais harmoniosa, fiz esta segunda versão:

Desembestei a fazer poesia
Será tanta heresia,

Ou coisa tétrica

Rimar sem interessar a métrica?


Nela, os versos dos pólos têm, cada, 11 sílabas. Os do meio têm 8. Até onde "supõe a minha vã filosofia" não há nenhuma estrutura de cosntrução poética que seja composta desta forma. Não é um soneto. Não é um haikai. Não é uma ode. Mas isso a torna menos inválida? Não. Menos acadêmica? Com certeza.

Talvez não esteja indo a lugar algum com este texto, então é melhor ao menos chegar a um ponto de orientação: o fim. O que quis dizer com tudo isso é que, se há algo que deva ser opcional em um poema é a métrica. Ela não deve jamais impedir a beleza das palavras. É como querer que as corolas das flores levadas ao chão pela chuva movam-se um pouquinho mais para lá, ou girem conforme tal padrão.

A poesia quer ser livre.

Assim disse Gustavo @ 12:34 AM   1 comentário(s)

domingo, 19 de novembro de 2006

Gestos poéticos

Eu faço um protesto!
A real poesia

Não está nas linhas:

Está nos teus gestos.

(Detalhes de "Hand in Hand", que pode ser encontrado aqui)

Assim disse Gustavo @ 11:58 PM   1 comentário(s)

sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Wakizashi - Morrer para viver

Este texto precisa ser escrito logo. Necessito com urgência insana pô-lo em escrita para que liberte meu intelecto e meu sentimento de seu jugo inclemente. Preciso do alívio para a inquietação que me aflige quando os adboards das quadras de volleyball do Campeonato Mundial aparecem, em minhas madrugadas insones, impingindo à minha visão kanjis e kanas que me trazem reminiscências impressionantes. Esperava um momento mais distante para pegar minha pena e papel digitais, mas não consigo mais suportar o doloroso eco do ganido que precisa ser livre.
Uma das cadeiras que faço neste semestre na universidade é "Cultura Japonesa I". O conteúdo é dos mais cativantes mas, por diversos motivos, a aula per se nunca atingiu o cimo do que poderia ser. Entre esses motivos, colegas metidos a J-Pop, uma insalutífera densidade feminina (só 20% de mulheres), e inquietações causadas pela retórica (cheia de tropeços) e pelas roupas (aflitivamente retraídas) da professora. Nomes de dinastias, cidades, códigos de ética, imperadores, divindades, pessoas históricas, tudo isso confunde-se no conteúdo, e apenas parte das lições me ficaram fixadas.
Nada obstante, a aula mais recente teve um teor altamente filosófico para mim, embora - estou seguro - tenha sido só eu a perceber e a assimilar tal teor. Falamos dos samurais e seu código de ética. Lemos um texto intitulado "Bushidô: a arte de morrer", retirado de algum livro. E foi a partir de aí que as coisas ficaram realmente interessantes. O texto fala, preponderantemente, sobre o código dos samurais, e qual a relação dele com o destemor da morte demonstrado por esses guerreiros. Em verdade, os samurais viviam cada dia de sua vida como se fosse o derradeiro. Entendiam a fragilidade da vida, mas também a importância dela. Não a menosprezavam (o harakiri - também chamado seppuku - era sempre motivado por alguma questão transcendente e era um ato restaurador de honra e brio), mas não se apegavam a ela. Estavam dispostos a morrer por um ideal e a qualquer momento, por isso aproveitavam cada dia intensamente. Eis alguns trechos do texto, para ilustrar:

"(...) o destemor da morte e a disposição ilimitada de perder a vida é a precondição para salvá-la."

"Viver consiste em morrer. Em se estar preparado para a morte. Para morrer como um homem. Um homem se reconhece pela sua morte, pela sua capacidade de dar sua vida. Não apenas numa batalha, mas em tudo aquilo que faz. Não apenas na morte (...) mas a cada instante e ato de sua vida."

"Em tudo o que um homem faça deve ter posto seu coração."

Em seguida, assistimos a um tocante filme, que ilustra com imagens esse texto: Seppuku (de 1962, em alguns países lançado sob o título de Harakiri). Recomendo copiosamente que assitam, pois dá a exata noção de honra samuraica. Eis a página do filme no IMDB e um bom site em português sobre a obra.
Enfim, como freqüentemente acontece, a exemplo de uma frase de Nelson Rodrigues, "falo, falo e não digo o essencial". O fato é que esse filme corroborou com uma das convicções existentes em minh'alma sobre as ordens que regem a vida. No mês passado foi um clássico libertino francês que me deu novas noções metafísicas. "Teresa Filósofa" trouxe-me a convicção de que o livre-arbítrio é uma ilusão, e que não passamos de fantoches da vontade de Deus. Surpreendentemente, esse fato não me fez sentir oprimido nem sequer desanimado. Ao invés, deu-me novo ânimo: Sendo nosso Deus um deus bondoso (e não o da Igreja Católica, dado a acessos de ira) e sendo que tudo provém dele, não temos por que temer o destino.
Harakiri ampliou-me a certeza de que é preciso defender os entes queridos, seguir o que sabemos ser certo, sem dar espaço para desvios ocasionais na ética, sem deixar a confiança abalar-se, e, mormente, viver cada instante como se fosse o último. Somente assim se obtém a plenitude sublime da vida. Só assim, com o constante sentimento de que pode ser a última vez que vemos uma pessoa ou que fazemos uma tarefa, olharemos com mais ternura sua face e nos concentraremos com toda nossa alma na labuta.
O que me angustiava e espicaçava , e que me impeliu a publicar tão logo este texto é, em especial, a wakizashi, a espada curta com que o samurai executava seu seppukuru. Me surpreendeu saber que, a despeito de toda glória atribuída às katanas, as espadas curtas eram as ceifadoras das vidas desses homens. Eram elas a ter com estes homens um contato mais profundo na derradeira hora de glória do guardião.
Yamazato Dragon Wakizashi

A minha wakizashi foi o "Morto (mas não enterrado)", publicado há algum tempo neste blog. Morri para desagravar-me das injustiças, para protestar contra intransigências alheias, e para redimir-me pelas minhas.

Agora, vivo assim, morrendo a cada manhã, para ir dormir à noite com a certeza de ter vivido plenamente.

Assim disse Gustavo @ 2:52 PM   2 comentário(s)

quarta-feira, 15 de novembro de 2006

Poesia para uma flor

Teu nome é flor
Flor de pétalas de rubor
tanto cálido.
E estas sãs pétalas
são teus lábios.


Queria fazer-lhes a apanha

Em um beijo de paixão tacanha!

Eu estou só à espreita

Aguardando a colheita...

Assim disse Gustavo @ 2:09 AM   3 comentário(s)

domingo, 12 de novembro de 2006

Comente ao menos esse!

O blogueiro (o sujeito que publica seus textos em um blog, como eu) é, supremamente, um autor que deseja contribuir culturalmente com seus textos, mesmo que sejam ruins. É óbvio que se desejasse que seus textos ficassem eternamente anônimos, guardados somente para apreciação pessoal, não os publicaria - seria apenas um narciso. Poderia até escrevê-los em seu computador, mas guardaria-os, impublicados.

Por isso mesmo, também é o blogueiro um carente de atenção, de elogios. Muitos talvez reconheçam-se em uma frase de Nelson Rodrigues: "Eis o que eu queria dizer: - eu também andei de chapéu, ou de pires na mão, pedindo pelo amor de Deus que me elogiassem." Portanto, não é forçado dizer que buscamos comentários não por soberba, mas por genuína necessidade de saber que fizemos alguma diferença, que contribuímos em algo para aquela pessoa.

Vejo o escritor de blogs como um artista de rua, comparando-o com jornalistas, cronistas, escritores, enfim, da mídia impressa, que são os artistas de casas de espetáculo, comparados a nós. Enquanto gozam de uma estrutura pivilegiada, nos viramos tão-somente com a cara e a coragem. Enfim, eles Cirque du Soleil, nós saltimbancos.

Somos análogos aos artistas, por exemplo, do Brique da Redenção, aqui de Porto Alegre: Não debuxamos retratos sacros de Jesus Cristo e outras figuras com gizes no asfalto quente, mas nossas palavras delineiam rostos, formas, paisagens, dão forma à matéria bruta que é a criatividade, santificando a escrita. Não tocamos um repertório popular em folhas de árvore, enquanto tocamos um violão e batemos o pé contra o chão, para fazer soar o pandeiro nele preso, mas nossa expressão pode exigir mais coordenação e vir de maneira tão ou ainda mais insólita - e ainda assim divertida, jovial. Não ficamos parados, sem sequer piscar, com o corpo pintado com uma tinta pegajosa de aparência magnífica até que alguém dê-nos uma moeda que nos faça sair da genial inércia fingida de manequim humano, mas - seguindo Pessoa - fingimos a dor que deveras sentimos, para preservar nossa intimidade sem deixar de expressá-la. Tampouco nos prestamos a uma imitação de um homem brigando com seu gato, preso em uma sacola e que usa escárnios e piadas sem graça cujo alvo são pessoas entre aquelas reunidas à sua volta para vê-lo, mas não nos furtamos a usar técnicas pouco convencionais de redação, e - dependendo do autor - a atitude circense e non-sense pode ser uma constante.

Contudo, somos ainda mais mal-remunerados que eles. Em outros países, existem ruas inteiras onde os artistas itinerantes destilam seus ofícios sonoros, gráficos, de toda sorte, e conseguem o suficiente para viver razoavelmente bem. Já, aqui, na grande via que é a internet (e que, como toda grande via, à sua margem é lotada de pornografia), passam-se tempos e tempos sem que nosso trabalho toque alguém. E, quando novos e curiosos olhos observam nossa obra, não nos deixam sequer um comentário - ele, que é nossa remuneração, nossa glória.

Então, por favor, leitor: se lestes este texto, não deixe minha velha caixa de papelão vazia. Deposita teu níquel intelectual, ainda que julgues que meu texto não é tão bom que eu mereça que sejas muito generoso. Não deixe que a arte cesse por falta de sustento.

Assim disse Gustavo @ 7:53 PM   2 comentário(s)

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Lendo como um europeu

Há dias atrás foi divulgada uma pesquisa realizada por encomenda da Câmara Rio-Grandense do Livro, sobre a média anual de livros lidos pelo gaúcho. O resultado me surpreendeu positivamente: 5,5 livros por ano. Mais de 3 vezes a média nacional, que é de vergonhoso 1,8 livro.

A média nacional é que me preocupa, ainda que a gaúcha somente seja boa se comprada à de todo o Brasil e precise, também, ser melhorada. Afinal, 5,5 livros por ano é menos de um livro a cada bimestre!

Existem exceções admiráveis, como o Gabriel ou meu pai, que devem ler por 4 ou 5 gaúchos durante um ano. Ninguém necessita atingir médias assim, e eu mesmo não creio que possa alcançá-las, pois necessito sorver os livros devagar, adquirí-los com zelo, entender cada termo e expressão.

Mas não seria nada impossível que os brasileiros ao menos lessem um livro por mês. Isso tornou-se mais fácil com o advento dos livros pocket, que podem ser levados até nos coletivos e lidos aos poucos.

Vejam só, em 10 meses, já li 14 livros - o equivalente à média européia. Ora, se eu, com minha mania de perscrutar e pesquisar cada termo, fazendo de um dicionário sempre o apoio da minha leitura, e empenhando tempo em procurar dados sobre personagens alheios das obras que leio, consegui ler 14 em 10 meses, seria muito quimérico acreditar que a média brasileira e gaúcha pudessem ser elevados até, no mínimo, 10 livros por ano?

Aproveitem, gaúchos e todos que estiverem na grande Porto Alegre, para visitar a 52ª Feira do Livro. São livros com desconto de no mínimo 20%, muito mais acessíveis. Além disso, uma feira de livros ao ar livre tem muito charme e "encanto poético".

Pois, como dizia Mário Quintana, poeta que tem em sua obra o espírito brando da Feira, "o verdadeiro analfabeto é aquele que sabe ler,mas não lê".

Assim disse Gustavo @ 3:09 PM   0 comentário(s)

O Autor

O autor
Nome: Gustavo Ribeiro
Lugar: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Um cara aprendendo com a literatura e as culturas de outros países e do meu. Sempre aprendendo, sempre vivendo como se fosse o último dia.

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