sábado, 24 de março de 2007

Apresentação Pessoal

O texto abaixo foi feito como parte das avaliações da Disciplina de Leitura e Produção Textual, da professora Daniela Favero Netto. Consiste no primeiro Trabalho de Escrita e Reescrita, ainda em sua primeira fase.

Apresentar-se é, em parte, definir-se e, também em parte, se expor. Pela natureza hedonista do ser humano, é normal que apresentações, tanto orais como escritas (e de qualquer outro meio) reflitam o melhor do apresentado. A maior das concessões é um ou outro defeito, dos menores, pra que não digam os que ouvem ou lêem que o sujeito é um presunçoso. No entanto, a mim não interessa esse paradigma. Mais adiante, saberão a razão.

Mas não posso deixar de dizer, sem receio de que isso soe como vontade de ser conhecido como mártir, que sou um sobrevivente. Isso faz parte da minha história. Sobrevivi aos métodos contraceptivos da época de minha geração, que não puderam conter minha gana de viver. No início da minha infância, um quadro de hidrocefalia foi diagnosticado em mim. Era preciso uma cirurgia de implantação de uma válvula, um dreno. Após o processo, avisaram, eu ficaria com alguma seqüela: cegueira, retardo mental, etc. Era isso ou o óbito. E, se agora escrevo e estudo é só por, de fato, ser um sobrevivente. Penso que não foi minha Fé em Deus que me permitiu isso, mas a Fé Dele em mim, de que eu ainda Lhe sirvo. Claro, alguns dirão que me aconteceu o retardo, mas isso é diferente, é chacota.

Fatos como esse (além de não conseguir caminhar, enxergar e até respirar corretamente sem pequenos apoios) e as precauções que ele exige é que me trouxeram até aqui, na Letras. Sem poder aprontar tudo que as crianças “normais” aprontam (correr, virar cambalhota, praticar esportes muito dinâmicos), voltei-me para a leitura e tomei gosto pela escrita.

Mas não sou aceito na casta dos grandes pedantes do Instituto de Letras, pois não li os mesmos livros, não me encantam os mesmos filmes, e por não querer bancar o intelectual. Também não lembro nada de próclise, ênclise, mesóclise... e nem me pergunte qual a regra dos porquês! E mais: não entendo a rixa entre lingüistas e gramáticos, que me faz pensar que o ser humano deveria olhar menos para as ciências (exatas, humanas, o que for) e mais para a pessoa do lado.

O problema é que andam todos meio paranóicos. Olhar para alguém em um ônibus e sorrir é quase garantia de receber de volta um cenho franzido e uma expressão de “Ih, olha esse maluco, querendo ser simpático!”. É por isso que não foi um tom simpático o de minha apresentação: quem sabe assim não recebo desconfiança como troco de uma intenção sincera. Com certeza Nelson Rodrigues estava certo: "Quero crer que certas épocas são doentes mentais. Por exemplo: - a nossa.".

Marcadores: Leitura e Produção Textual, Nelson Rodrigues, UFRGS

Assim disse Gustavo @ 5:51 PM   1 comentário(s)

sexta-feira, 23 de março de 2007

A vendedora de doces e as figurinhas

A quarta-feira foi chuvosa. Depois do almoço no R.U. (Restaurante Universitário), e de derrubar toda uma pilha de bandejas quando coloquei a minha no topo (o que me rendeu um olhar mortal do rapaz da limpeza, indignado com meu desazo), pouca coisa poderia me fazer sentir mais mal.

A chuva apazigou-se, e sentamos, uma colega e eu, em uma mureta que ladeia uma rampa do campus. Sentados, conversávamos sobre LIBRAS (a Linguagem Brasileira de Sinais). Ela me demonstrava alguns sinais, depois de começar a conversa me respondendo qual a palavra mais bela que ela conhecia (eu havia perguntado sobre o léxico alemão, mas a resposta, o "eu te amo" em Libras - o que agora me parece malignamente irônico -, foi tão bonita que aceitei) e eu estava completamente airado, tomado pela beleza do sentido da linguagem de sinais e, devo admitir, pela proximidade dela. Mas, isso já não vem ao caso...

Imerso na voz maviosa, uma outra voz me fez emergir: uma voz mais fina, mais aguda. Uma menininha de roupas e modos modestos. Com caixas de papelão branco nas mãos delgadas e sofridas, a pequena perguntou:

- "Quer comprar negrinho?" (Nota: O doce chamado no resto do Brasil de brigadeiro)

Fernanda respondeu a realidade que era a mesma minha:

- "Ai, desculpa! Só tenho o dinheiro do ônibus!"

E foi aí que Deus decidiu que precisava me dar mais uma epifania sobre a patética natureza humana. Em lugar de voltar-nos as costas e sair caminhando proferindo raivosas (e compreensíveis) palavras, de pedir dinheiro ou mesmo comida, ela simplesmente perguntou à mesma colega minha, como se só a ela interessasse dirigir-se:

- "Teu caderno tem figurinha?"

Fernada respondeu que não, que o caderno dela não tinha figurinhas, e pediu desculpa, chamando a menina de algo doce, como "flor" ou "meu anjo". Foi só aí que percebi que a caixinha da esquálida menina tinha coladas algumas figurinhas, coloridas como os sonhos que ela por certo tem.

Como um trovão que só nos assombra tempos depois que o raio risca a vastidão negra do céu com sua luminosidade, o efeito daquele momento tão simplório foi retardado... Mais tarde é que me dei conta de como aquele "pequeno momento" foi repleto de significado. Pensem bem: o óbulo que ela pediu não serena a fome, não aplaca o frio, não apazigua a dor. Ela quis o sonho. Aquilo que Nosso Pai nos dá juntamente com nossa Alma para que jamais fiquemos presos em demasia ao corpo. O sonho nos eleva, nos leva mais perto da natureza Eteral.

E doeu-me, oh, doeu-me. Saber que não se esmola mais somente o pão, a blusa, o teto. Agora já se implora por atenção, por sonho, por fantasia. E abominei todos os arrogantes e pedantes do Intituto de Letras (pois é mais com eles que convivo) e depois todos daquela Universidade que julgam-se melhores que os outros pelo conhecimento acadêmico (o tenham ou não, dependendo de em qual categoria acima se encaixa o fulano).

E, por fim, questionei-me: Como pode o ser humano discutir letras, números, bytes, gênes, relevos e fechar os olhos à realidade, ao próximo necessitado de tudo? Será que é realmente importante discutir a Literatura de Viagem, a crioulização de pídgins, a unidade temática de uma obra escrita (para essas eu respondo meu parecer: não) e, enfim, todos os assuntos não-humanitários enquanto ali, a uns poucos metros do campus tem uma grande comunidade carente? Não é meio cruel falar em "preconceito lingüístico" enquanto poderiamos falar em preconceito (e combatê-lo) de uma forma geral?

Isso me incomodou muito, deveras. Meu coração parecia não suportar as lágrimas de todos que pediam ajuda enquanto professores cheios de soberba falavam de suas viagens à França, seus mestrados e doutorados, e enquanto a maior parte dos os alunos preocupava-se em parecer já ter lido este ou aquele livro que estes mesmo mestres tinham como sua bíblia pessoal. Já rumava, qual catraia solta na tormenta, para o fim que todos se permitem: alegar que não há o que se possa fazer, as coisas são assim e assim permanecem.

Não. Não comigo. Eu acredito em destino, em puro destino, sem espaço para uma respiração nossa sequer sem que seja permitida por Deus, mas isso não significa ficar de braços cruzados, repetindo feito mantra zen-budista que nada posso fazer. Significa fazer o que é certo, o que é bom, o que Ele nos pede ao coração para fazer.

Comprei umas figurinhas (Branca de Neve, Polly, etc.) para a menina, que me observou quando as entreguei, sentada na escadaria de pedra entre as paradas de ônibus e o patamar dos prédios da Universidade. Tinha os olhos verdes (eu não reparar antes) e como eram bonitos. Não eram verdes por questões genéticas, nem por questões líricas, não me interessa estudar isso. Eram verdes de esperança, esperança de que ainda haja quem não se acomode e faça sua parte para um mundo, se não melhor, mais alegre.

Texto iniciado em 22 de Março de 2007, um dia após o acontecido. Desde lá, algumas coisas mudaram. Espero que a vida da menina também, mesmo que só por um instante, com a claridade de um sorriso nos dias chuvosos

Marcadores: Patético, UFRGS

Assim disse Gustavo @ 10:42 PM   1 comentário(s)

quinta-feira, 8 de março de 2007

Feliz aniversário, Blog!

Página do TdG (Textos do Guga), antes das mudanças de aniversário

Há poucos dias “Textos do Guga” completou dois anos. Desde março de 2005, conta-se 47 textos (afora este) publicados. Já postei contos, crônicas, poesias, textos-fotográficos, e aqueles outros difíceis de categorizar. Eis o motivo de nunca ter mudado o nome do blog, dado pelo Gabriel. São tão diversos que seria difícil encontrar um ponto em comum entre todos, exceto o fato de serem textos.

Mas, apesar de toda a diversidade textual (o que não implica na qualidade...) jamais havia publicado um tipo em especial de produção textual: a resenha. Tive, recentemente, a idéia de criar um blog com resenhas culturais: livros, discos, filmes, etc. Pensei em criar um novo blog para isso, dedicado exclusivamente a resenhas. Mas aqueles interessados em compor uma equipe para o site não parecem levar o projeto muito adiante. Então, esta será minha homenagem ao meu próprio blog: uma nova série de textos, resenhas sobre o que tenho lido, escutado e assistido. Além disso, um novo banner comemorativo.

A primeira resenha, para que seja realmente justa (mesmo sendo, ao mesmo tempo, inusitada) deve ser a deste próprio site.

Resenha: Textos do Guga

Criado no início do terceiro mês do 5º ano do segundo milênio após Cristo, o modesto blog exibe textos de variadas naturezas, extensões, intenções, intensidades e qualidades. O autor (um agoniado, um apaixonado e um decepcionado com sua época) exsuda textos de desabafo, de libertação sentimental, sem soberba, mas também sem modéstia. São textos de conteúdo muito pessoal, e – por isso mesmo – universais. Amores, paixões, rancores, tédio, gostos, desgostos e as desumanidades que os seres humanos cometem são elementos que permeiam a obra deste incomum e promissor escritor.

O template é um clássico com alguns códigos HTML modificados.

Nota:

Assim disse Gustavo @ 4:36 PM   3 comentário(s)

O Autor

O autor
Nome: Gustavo Ribeiro
Lugar: Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Um cara aprendendo com a literatura e as culturas de outros países e do meu. Sempre aprendendo, sempre vivendo como se fosse o último dia.

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